domingo, 10 de dezembro de 2017
Do Verbo a Luz
Sejam doces ou fortes,
palavrinhas e palavrões...
Importa que sejam bonitas.
Nem precisam ser sinceras,
se forem um sincero dizer
de palavras insinceras e belas.
Se, acaso, a mim as entrega,
Devo confessar textualmente
Eis-me entregue a seu verbo.
E, do verbo, como deuses,
Fazemos Luz
Um corpo qualquer
O corpo do meu amor
é um corpo qualquer.
Tem boca para gritar vontades.
Tem peitos para voar destinos.
é tanto seu como meu.
É um corpo qualquer,
de homem e mulher.
o amor do mundo
quinta-feira, 26 de outubro de 2017
Nossas camélias
Faz um tempo, comprei um vaso com um arbusto de camélias, pretendendo, lógico, que elas enflorassem. Às poucas flores que havia no vaso, quando eu o comprei, eu olhei com os seus olhos, e pensei que você adoraria aquelas flores de semblante meigo e pétalas fortes, carne rija qual Violeta, a poetisa.
Comprei a árvore para a sacada, naquela época em que mal nos falávamos (lembra?).
Eu determinei a mim, meio jogando para o céu, para os deuses da terra e das boas colheitas, que quando ela florescesse, você voltava; se não florescesse, não voltaria..
Pus-me então a cuidar da planta. Como cuidei dela!
Para minha tristeza, eu a via cada vez mais minguando e, com ela, minguava minha esperança. Enfim, ela secou. Talvez mais por uma inabilidade técnica de minha parte do que pelo desdobramento de um fatalismo lançado em um sortilégio. Talvez. Era você sempre quem salvava minhas desajeitadas investidas nesse mundo verde, em segredo, para minha alegria...Talvez.
A faxineira falou pra eu jogá-la fora, sem sequer imaginar o que fenecia e o que se jogaria fora com aquela árvore morta. Não joguei. Mantive seu tronco, aparentemente seco, lá no vaso. E continuo cuidando dela ainda, da "falecida" como a faxineira a chama sem entender o meu desvelo, a minha teimosia por aquela planta seca.
Espero que algum mistério a faça brotar, algum dom mágico fazê-la ainda vingar. Há tanta magia no amor e tanta surpresa na esperança! Toda manhã penso comigo: será que hoje ela não desabrochou do modo inteiro como sempre quis? E tomo meu café solitário com o lampejo dessa certeza dessas flores abertas do outro lado da janela que ainda não abri.
Outro dia você me ligou, depois de tanto tempo de silêncio, e como eu sempre sou incapaz de guardar todo o segredo de você em mim, contei em parte sobre a desventura das tristes camélias. Que sina! Por que tomei as tais camélias? E, então, você me contou que camélias são as flores de sua infância, de sua cidade. Que há muitas delas enfeitando lindas o jardim da casa de sua irmã. "Incrível a flor que você escolheu, que coisa!", me disse.
Então era esse todo o mistério! Compreendi que não fui eu, mas elas que me escolheram e floriem a seu modo...
Mas, agora, deixe-me largar dessas lembranças tolas, porque o sol já está se pondo e é nessa hora da tarde dourada que elas gostam de ser regadas. Tenho de ir à sacada regar minhas camélias invisíveis, vicejando eternas no vaso da "falecida".
segunda-feira, 23 de outubro de 2017
Nada é perfeito
para se poder ser
todo desfeito
Sem precisar de efeito
Apenas ser
o que se é de fato
Sem artefato
encarar a foto,
deixar de fita,
acreditar que a vida faz,
mal feito ou bem feito,
desfeito o defeito
terça-feira, 3 de outubro de 2017
O raso e o fundo
tranquilo e imóvel
é quando o fundo e o raso
estão dormindo juntos
(Foto: Araquém Alcântara)
segunda-feira, 28 de agosto de 2017
Entre nós
Não é espaço, é tempo.
O tempo do amor
Não é de tempo, nem de espaço:
Mas medida do amor o infinito.
sexta-feira, 18 de agosto de 2017
Tua Cantiga e o Zepelin Prateado
Recentemente alguns debates andam bem incompreensíveis. Primeiro, o repúdio à canção do Chico, a "Tua Cantiga". Depois, a discussão da esquerda e direita sobre a não paternidade do nazismo,
sexta-feira, 2 de junho de 2017
Fados
quarta-feira, 26 de abril de 2017
Sonhou com a delicadeza...

segunda-feira, 3 de abril de 2017
quarta-feira, 22 de março de 2017
Líquidos Sonhos
quinta-feira, 16 de março de 2017
A trança
segunda-feira, 13 de março de 2017
À brasileira
o cliente é chamado por número
Na barraca de acarajé,
pelo nome.
O sérgio gosta de muita pimenta.
A moça número 23 não quer shoyu.
Seus pratos vão avenida Paulista afora;
a moça, o sérgio e eu também...
A fome fica sem nome nem número,
em volta das barracas da avenida Paulista.
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017
A um homem
As amigas dizem que tenho um homão.
Os homens, mais comedidos,
dizem que é um cara bonitão
E eu o olho e olho e descubro
o talhe mais fundo da sua beleza
que não é só dos olhos de um verde fundo
mas do que apenas é sem buscar certezas
A beleza não tem nascer ou idade
nem idade, ou dia ou morte.
É passarinho que vem e pousa
em tecido trançado por alma e sorte
"Em você ela fez ninho!"
Diz-me distraído com seus cuidados.
Recolho discreta tal esbanjado carinho
tão puro forjado em amor tão guardado
"Sou da lida; é sua toda a poesia",
riscando belezas que são eternas,
e convida luz e cor, em algaravia,
a rimar as nossas telas
Ainda olho para esse homem
que mesmo trazendo os traços da vida
tem um menino na janela do trem
sábado, 28 de janeiro de 2017
SENTA QUE LÁ VEM FILME: "EU, DANIEL BLAKE"
Eu, Daniel Blake é simplesmente um filme sensacional e nada indicado para pessoas com problemas cardíacos (refiro-me aos cardíacos dotados de humanidade, claro.).É forte.
A história trata de pessoas, de cidadania e de sistemas em que a atuação assistencial do governo é, ao mesmo tempo, nula e cruel, expondo pessoas fragilizadas a situações de humilhação, desamparo e desespero.
Eu, Daniel Blake traz todos os elementos da tragédia da cultura neoliberal, que põe o Estado como um senhor inalcançável, cheio de vontades e tratando os cidadãos como servos, quando na verdade o que deveria ser é justamente o contrário. É um filme oportuno, que desmistifica a questão da real necessidade sim do dever do Estado em garantir às pessoas o mínimo de dignidade que lhes permita continuar sentindo-se gente, cidadãs. Cá entre nós, ninguém sonha em entrar todo dia numa fila de famintos para receber um "caridoso" prato de comida para não morrer de fome. As pessoas querem comer, viver, escolher, ser felizes. E querem trabalhar dignamente ou receber seus merecidos auxílios financeiros, pagos por uma vida inteira, para assegurar as ocasiões em que se está impossibilitado de labutar.
O filme explica, nos faz sentir o que é viver sob o jugo de uma máquina estatal antissocial e burocrática, que agora se refugia na nova modalidade de exclusão, a digital, sob os humores de funcionários medíocres e assustados, de pessoas que pouco se importam, esquecendo-se que a maioria delas, em algum momento, vai estar no mesmo lugar daqueles que hoje espezinha. É inevitável fazer uma projeção com a situação atual do Brasil e as políticas reducionistas de direitos implementadas com as PECs do governo Temer.
É um filme que nos chama bem para perto porque fala dos nossos problemas. É um filme que, à medida que se desenvolve de jeito cru e magnífico, nos deixa cada vez mais grudados na poltrona do cinema nos fazendo constatar o quanto também somos nós, Daniel Blake. Tem de ter coragem de entrar nessa casa de espelhos.
quinta-feira, 26 de janeiro de 2017
segunda-feira, 23 de janeiro de 2017
Debaixo dos caracóis...
É um memorizador de cachos - disse a moça da perfumaria.
A evasiva promessa do rótulo do xampu somada à pouca técnica da explicação da garota foi suficiente para tirá-la de lá. Já não ouvia; buscava saber o que poderiam fazer cachos cheios de memória em cabeça de lembranças já tão esmaecidas. O que, de suas histórias, como num código genético, guardariam as curvas de seus caracóis?
Na tentativa de apalpar tais passados, foi para um canto da loja, fechou os olhos e, secretamente, tocou numa mecha espiralada de um cabelo cheio de vida, de sua e de tantas vidas que arderam acumpliciadas com ele, ao vento, entre dedos, esquecido, louco, pousado na fronha, sob chuva, ao sol, na canção. Cabelos rebeldes ou encarcerados, espreitando mil pontos de luzes opalinas pelos furos do chapéu, parafuseando na ciranda das flores da guirlanda nupcial, cachos dormindo nos dedinhos dos filhos agarrados a seu peito, sugando o amor, cachos derrubados no colo dos homens que amou..
Noutra tentativa, seus dedos mergulharam mais generosos no cabelo e já não lhe importava o que pensavam os que a viam, uma mulher desfazendo-se em delírios de lembranças capilares, no afã de reviver de maneira tátil as histórias em madeixas.
Como imagem na água, os cachos caprichosos se desfizeram ao toque de suas mãos, porque cachos e sonhos são assim!
Se levava tais histórias nos cachos ou na alma, era àquela altura indiferente. De ali, ela o soube - e era o que bastava - é que havia memórias. E, no espelho, viu uma cabeleira esplêndida, livre, alvoroçada, refulgente, contornando um rosto em cuja boca se abria um riso largo e incompreendido. Ela estava em paz com seu cabelo e com sua história. Não comprou o xampu.
Imagem: Gustav Klimt (Judith- Salomé)
Poesia em construção
O Tempo, a Morte e o Amor
E com um deles, apenas um,
me seria concedido conversar
Escolha um, me disse a vida.
Então, pus-me a pensar
E concluí que,
com o Tempo, eu só poderia ouvir,
com a morte, somente eu falaria
O diálogo, esse sim, se daria com o Amor
Pois era o único, o único
que me permitiria modificar.
Fui e fiz o que sempre fiz,
sob o olhar mudo e compassivo
do Tempo e da Morte:
Pus-me em parelha com o Amor.