quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Nossas camélias

Por falar em camélia, vou te contar uma história sobre umas camélias e a gente.
Faz um tempo, comprei um vaso com um arbusto de camélias, pretendendo, lógico, que elas enflorassem. Às poucas flores que havia no vaso, quando eu o comprei, eu olhei com os seus olhos, e pensei que você adoraria aquelas flores de semblante meigo e pétalas fortes, carne rija qual Violeta, a poetisa.
Comprei a árvore para a sacada, naquela época em que mal nos falávamos (lembra?).
 Eu determinei a mim, meio jogando para o céu, para os deuses da terra e das boas colheitas, que quando ela florescesse, você voltava; se não florescesse, não voltaria..
Pus-me então a cuidar da planta. Como cuidei dela!
Para minha tristeza, eu a via cada vez mais minguando e, com ela, minguava minha esperança. Enfim, ela secou. Talvez mais por uma inabilidade técnica de minha parte do que pelo desdobramento de um fatalismo lançado em um sortilégio. Talvez. Era você sempre quem salvava minhas desajeitadas investidas nesse mundo verde, em segredo, para minha alegria...Talvez.
A faxineira falou pra eu jogá-la fora, sem sequer imaginar o que fenecia e o que se jogaria fora com aquela árvore morta. Não joguei. Mantive seu tronco, aparentemente seco, lá no vaso. E continuo cuidando dela ainda, da "falecida" como a faxineira a chama sem entender o meu desvelo, a minha teimosia por aquela planta seca.
Espero que algum mistério a faça brotar, algum dom mágico fazê-la ainda vingar. Há tanta magia no amor e tanta surpresa na esperança! Toda manhã penso comigo: será que hoje ela não desabrochou do modo inteiro como sempre quis? E tomo meu café solitário com o lampejo dessa certeza dessas flores abertas do outro lado da janela que ainda não abri.
Outro dia você me ligou, depois de tanto tempo de silêncio, e como eu sempre sou incapaz de guardar todo o segredo de você em mim, contei em parte sobre  a desventura das tristes camélias. Que sina! Por que tomei as tais camélias? E, então, você me contou que camélias são as flores de sua infância, de sua cidade. Que há muitas delas enfeitando lindas o jardim da casa de sua irmã. "Incrível a flor que você escolheu, que coisa!", me disse.
Então era esse todo o mistério! Compreendi que não fui eu, mas elas que me escolheram e floriem a seu modo...
Mas, agora, deixe-me largar dessas lembranças tolas, porque o sol já está se pondo e é nessa hora da tarde dourada que elas gostam de ser regadas. Tenho de ir à sacada regar minhas camélias invisíveis, vicejando eternas no vaso da "falecida".

(Imagem: Filme "Camille", de Ray C. Smalwood, com os atores Alla Nazimova e Rudolph Valentino) 

Nenhum comentário:

Postar um comentário