
Sonhou com a delicadeza. Era uma festa. Havia várias piscinas, água escorrendo, pequenas cascatas. Bandejas com frutas e flores à disposição, nas margens, e fantasias... Podia-se ser tudo o que se sonhasse; a festa era onírica, não havia estridências. Havia água, água por toda parte.
Eles se viram e se encantaram. Ele tinha cabelos alourados e longos; não era bonito, nem feio. Não conseguia defini-lo detalhadamente. Lembrou que era um tipo esguio, grande, de tez clara, olhos castanhos, semblante tranquilo e meio sorridente. Seu modo de olhar trazia aquela sinceridade das pessoas francas e tranquilas com a vida, olhar devotado, transparente. Era homossexual, vivia com um companheiro. Havia retirado seu pênis, mas se vestia como homem, falava e gesticulava como homem, olhou-a com o olhar de um homem. E ela sabia de tudo isso e correspondeu, sincera e profundamente, àquele encantamento. Era um homem na acepção filosófica do sentido. E ela se encantou, o encantamento há tanto guardado, adormecido em si mesma. Encantou-se por aquele homem sem pênis. E havia desejo entre eles e seus corpos não lhes faltariam para os conduzir em seus desejos.
Em sua conversa, ele fazia uso da arte e de seu conhecimento vasto do mundo e das pessoas. Não como mero artifício para conversa ou galeria de exposição, a arte era o tom de delicadeza de seu olhar para as coisas do mundo.
Ela escolheu uma fantasia, que era um vestido esverdeado, feito de um tecido fino, com as tramas à mostra como uma rede de pescador, só que mais fina, com franjas no barrado. Trazia nos cabelos uma guirlanda de mesmo tecido e flores. Quando escolheu aquele vestido, ainda não o tinha visto. Ele, por sua vez, usava um meio fraque e tudo se passava naquele palácio de água. E tudo era suave, inteligente, delicado.
Em dado momento, já os dois completamente desvendados em seu encantamento mútuo, dançaram e foi o mais próximo que chegaram um do outro. E assim prometeram que ficariam até o resto dos tempos, viajando por todos os lugares do mundo que ele conheceu, em que sempre buscava e buscava. Ela, com seu limitado conhecimento de lugares, sugeriu um nome de rua em Paris (não se lembra qual foi) e ele docemente disse que era um lugar tumultuado e, antes que ela ficasse sem graça, ele a levou dali e ela entendeu como um presente o ele ensinar algo que ela não sabia, porque era um presente que ele oferecia. A dança acabou e se separaram com a promessa de se reencontrarem. Como em todo sonho, mil coisas se interpuseram no caminho desse reencontro que não se deu. Oniscientemente, ela, dona do sonho, acompanhou o sofrimento dele de não conseguirem superar essas barreiras. Ela acordou, naquele dia, com o sentimento mais genuíno da delicadeza e do amor; uma mulher encantada por aquele homem sem pênis. A sua delicadeza a deixou ficar com o encantamento. E ela descobriu quanto encantamento pode ter uma saudade!
(18.09.2016)
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