Quando o mundo é tomado pelas trevas do autoritarismo, como o foi no nazismo e outros sistemas autocráticos, a integridade moral e ética que identifica a humanidade do indivíduo tem de ser vivida em segredo, clandestinamente. Nesse ambiente, ela é tão vulnerável quanto preciosa, sendo, por isso, o maior alvo da brutalidade e coação.
É sobre a integridade que fala o delicado filme O Destino de Haffmann (Fred Cavayé, 2020, França), que conta a história do desdobramento da relação que se estabelece, de necessidades e abusos, entre um humilde e complexado empregado, sua esposa, o patrão joalheiro judeu e um oficial nazista, diante do terror da ocupação alemã na França de 1941.
Num ambiente eivado de incertezas, medos, perdas materiais e afetivas, num momento sem luz de civilidade, é pelo perfil moral de cada um dos personagens centrais que se fazem e desfazem laços que, em outras circunstâncias, seriam impensáveis.
A partir da identificação do limite do aceitável ético para cada um é que a trama vai descortinando, evolutivamente, a profundidade psicológica dos personagens, revelando mazelas e grandezas justificáveis e injustificáveis, diante de um contexto tão difícil de uma guerra.
Usando a excepcionalidade da guerra e da ocupação de um país subjugado, o filme e sua cuidadosa condução ( cada detalhe é um passo que avança na descoberta dos personagens em seu papel de vida) demonstram como permitimos que a violência se instale em nossa casa e espírito, à medida que vamos nos escondendo sob a justificativa do medo e do cuidado exclusivo aos nossos, ditos amados.
Em suma, a história do filme mostra do que o totalitarismo se alimenta. Como num desdobramento do pensamento de Hannah Arendt, apresenta, todo o filme centrado em cenas do dia a dia ordinário do interior de uma casa e família durante a ocupação nazista na França, como o totalitarismo é sustentado por um querer inconsciente que se torna consciente, e este querer revelado não é o querer de um povo como totalidade coletiva, mas um querer individual das pessoas e que se soma. É o horror que se torna uma oportunidade e se retroalimenta da ignomínia que gera e que por ela é gerado.
Filme muito bom, de tema muito contemporâneo e que joga luz sobre nossas grandezas e miudezas de alma, mostrando que é no valor da integridade ética que se assenta o último refúgio de resistência.
Como vela a alumiar a profunda escuridão, é essa integridade que distingue em nós as guerras de fora das guerras íntimas, como forma de evitar ou combater opressões e manter nossa dignidade e humanidade, pois, como nas palavras lúcidas de admoestação do personagem oficial nazista, "a guerra passa."
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