sexta-feira, 24 de julho de 2020

O Rei Bufão






Era uma vez um rei bufão. Os maus espertos diziam que seria fácil dominá-lo; os sábios bons diziam que, com sabedorias, iriam derribá-lo.

E o tempo passava e ele praticava toda a sua torpeza. 

No começo, para espanto dos bons e dos maus, seus feitos eram jocosos, típicos de  bufão. Tais feitos iam desde chuveiro de xixi,  palavras chulas, gestos vergonhosos pro mundo ver, reverências humilhantes a outros reis, até bravatas de falsas declarações de guerra, para o pânico de todos. 

- Foi brincadeira!, dizia. E nem os maus espertos, nem os sábios bons conseguiam detê-lo. 

Sabia-se que o rei bufão tinha uma caneta mágica, que desescrevia num dia o que havia escrito no dia anterior,  e essa caneta causava balbúrdias no reino, sobretudo entre os bons. E enquanto todo mundo tentava traduzir seus escritos e desescritos, o rei bufão sussurrava  maldades bem piores à noite e o reino amanhecia ainda mais desajustado e triste.

Um dia, veio uma peste, uma peste virulenta que matou muita gente em vários reinos. 

Todos, os espertos maus e os sábios bons, sentiram que, agora, era chegado o fim do tempo do rei bufão. Afinal, pensavam eles, com mortes não se brinca.

Mas o rei bufão não negou sua estirpe engraçada, até aplaudida por muitos com cuja vida ele também brincava, e sendo muito, mas muito bufão, passou a brincar com morte, sim. Com a morte dos outros. 

Mandou embora os ministros da saúde, desacreditou os cientistas, jogou falsas curas no ar, sempre com um sorriso nos seus dentes feios. Jogou as vidas de seu povo num tabuleiro de sorte e azar. 

Uma vez, em uma de suas divertidas apariçóes, ele até correu atrás de uma ema com um veneno na mão, veneno que oferecia a seu povo como remédio contra a terrível peste. Como ria!
.
Não se achava um jeito. Nem os maus espertos, nem os sábios bons conseguiam dominá-lo ou derribá-lo, e o rei bufão continuava a ser rei quase sem preocupação.

E o reino cada dia morria mais um pouco, até virar uma montanha de mortes. 

O rei bufão ria, o rei bufão mentia, o rei bufão prosseguia. E a história não termina.

Era uma vez um rei bufão. Os maus espertos diziam que seria fácil dominá-lo, os sábios bons diziam que, com sabedorias, iriam derribá-lo..."






(Imagem: detalhe da obra "Cucorongna e  Pernoualla", Jacques Callot, Água forte, 1622)


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