terça-feira, 14 de julho de 2020

Da fome e dos sorrisos











O velho me pediu um prato
Um pedido roto em olhos rotos
para uma fome atávica
No chão, sentado esperava
na calçada turbulenta da gente
que desviava sem reclamar
De fato, ninguém reclama
da pobreza no caminho prestes
a aliviar-se de sua própria miséria
e da indisposição para incômodos
de fomes outras no caminho
Vem a fumegante iguaria
recendendo aos prazeres da boca
e das mãos que a recebem
entre rugas, sujeiras
e um desenho histórico
Mãos que se metem
num saco de guardar o nada
e a fome e o frugal banquete, adiados,
para o alívio dos olhos,
da humilhação e da espera
Pela presente e futura partilha
antes da partida, sorrisos mudos
sorriso meu, sorriso dele
um triste sorriso na boca com dentes
e um sorriso alegre sem nenhum dente na outra
Da boca nua uma tal alegria
que a minha tão distante convida
para essa alegria de quem não esqueceu
que, para além de morder,
dentes servem aos sorrisos
E meu sorriso tão caro e branco
tão faminto de contentamentos
entende que sorriso ele mesmo
sem nada, nada a ser mais bonito
seria esse grande e largo sorriso sem dentes
alimentado por pão, direito e abrigo




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