sexta-feira, 20 de maio de 2016

Expatriados



Você diz que foi num exílio que eu fiz minha morada
E é no mundo proibido que encontro o meu sentir
Diz que ando, sem proteção, no limite do tudo ou nada
Que no vão da realidade dou o mergulho de existir

E eu então lhe digo que não é um exilado
Que sem um lugar certo  você tem todos, enfim
Que não tendo nada carrega, de fato,
Esse misterioso infinito que eu queria ter pra mim

E dá de a gente só se encontrar nesse intervalo
De um buscar o chão e o outro de deixá-lo
Desterro minhas raízes para, em voos, te alcançar
 E te encontro usando asas para aterrissar

Você diz que não tem mais para onde voltar
E eu não suporto esse espaço de ficar e ter
Desprezo meus limites a tentar te acompanhar
E vem você com planos de se estabelecer

Insisto que já gosto do que é e nada mais
Não me importo com o que está por acontecer
Mas você quer aquela que largo para trás
Só me tomando se eu for tudo o que não quero ser

Amamos assim a imagem do outro, a ilusão
cada qual à busca de seu próprio reverso
Ardemos a chama nos raros instantes de união
Num jogo de talvez ou não que é tão perverso

Quando, em sonhos, você lembra seu país
Como seria se não tivesse deixado seu chão
Penso que, talvez, você fosse mais feliz
E cá comigo sei que eu certamente não.


 (13 de Setembro de 2013)

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Casa de Espelhos*








Eu detesto jogo de adivinhação.
Tão veloz e catastrófica
é  minha imaginação
quando é feita no silêncio.
Horrível não saber
se foi bom ou ruim.
Eu gosto de tempo de filme
com começo, meio e fim
num todo só.
Não sei se exagerei no blefe
ou se falhei na sedução.
Se foi demais, se foi pouco.
Não aguento essa falta de dicção!
Fala se gosta de mim,
diz se não mais me quer.
Eu não tenho paciência,
nunca fui boa nessa coisa
de deixar acontecer.
Beijei de mais ou de menos?
Não consegui convencer?
Sou feito menina,
Meu Deus, eu não cresço
e já não sou mais nenhuma menina!
A indiferença me desconcerta,
me obriga a fingir que não ligo,
quando meu foco é você.
Demora pra eu deixar prá lá.
Loba ferida, levo essa marca,
é difícil apagar.
Demora pra eu voltar a ser
aquela luz radiante,
fêmea fascinante
de fazer macho endoidecer.
Me acho horrível, não me vejo
Começo a pensar de forma lógica.
Terá sido falta de química
ou desconexão biológica?
Que loucura!
Terá sido choque de cultura?
E tudo o que, de fato, incomoda
é porque resistiu aos meus apelos.
Vai passar, vai doer.
até  se embevecer outro cavalheiro.
Aí então eu esqueço (quase)
e já vejo outra deusa no espelho.



*Canção para Francisca








sexta-feira, 6 de maio de 2016

Vigília

Houve o prelúdio do sexo. Suados, cansados: "noite quente, hein!" - riem. O corpo dela  jogado na cama é quase tão invadido pela lua quanto a janela que o astro iluminado vara. Nua, muito nua. Olham-se ela e ele e não veem senão o vulto  de cada qual embranquecido pela ofuscação daquela bruma prata na escuridão do quarto. Ele, de repente, tomado pelo desejo de fazer o caminho de volta, põe seus dedos a andarem por direção reversa, partindo das coxas aos joelhos úmidos da mulher. Ela se arrepia e completa maliciosa: "quente de arrepiar". Solta um suspiro vindo de suas profundezas maculadas desde então. Quando abre os olhos contempla seu homem, em pé, junto à janela, abraçado nu ao violão na contraluz lunar. O gemido da viola toma o silêncio do lugar e a voz mansa do repentino trovador trilha o caminho dos acordes, quase em sussurro. Ela solta um gemido e estremece ao vê-lo tão absorto sobre o instrumento musical, tirando deste, com toda a delicadeza, uma outra forma de gozo. Ela pode sentir o calor de seus braços macios abraçando o corpo do violão como fizera pouco antes ao seu,  quando buscava com os mesmos dedos a música gutural, bramida, percorrida entre pelos, lábios. De súbito, A viola cessa dando lugar à harmonia de outro êxtase, o do corpo do homem deitando, de novo e agora sombra, sobre o corpo de carne ardente dela. Intermezzo. Ela acende outro fumo - o corpo  sem delírio é pouco para a longa serenata -  e, juntos, outra vez, partem para outras alturas. Extenuados, enfim, da viagem, a lua os recebe, músicos viajantes, tendo seus corpos pareados no leito de seu rio prateado. Ainda riem, falam de sonhos, ideais e buscam suas mãos que se procuram no ar, imitando suas almas. Encontram-se as mãos e almas  para se entregarem os dois vencidos pelo sono da letargia do prazer.
É noite ainda e, antes que esta ceda seu lugar ao dia que não se demora, repousa uma lua no céu, dois amantes jazem num leito agora em sossego e, no mundo, o amor vigia em silêncio.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Exílios



Há no exilado um não existir contraditório em que se é nenhum ao ser muitos.
O exilado visita todos os sítios, as ruas sorridentes e as obscuras. Em sua ânsia de ter um chão a que pertencer, procura todos os lugares mas não consegue estar em nenhum.Tudo é permeado pela ausência.
Como uma sombra, é referenciado por muita gente que não o pode apontar senão por breves instantes de sua passagem.
O exilado tem uma vida reticente e cheia de histórias suspensas.
O exilado nunca tem para onde voltar, porque quem o espera nunca o sente chegar...


Foto: Araquém Alcântara

terça-feira, 3 de maio de 2016