Vivemos um tempo terrível, que não é só de agora com essa doença mundial e fatal. Há outra doença mundial e fatal que nos assola há algum tempo, e que, no Brasil, em especial, fez emergir um lado horroroso que, por mais que soubéssemos que existisse, tentávamos sufocar a duras penas. Tal doença é a doença do ódio.
O ódio que nos acomete, não é contraposto pelo amor, mas por uma espécie de anti-ódio, que é um ódio contrário ao outro ódio.
Qualquer de suas faces nos desumaniza, nos faz mal, revolve os nossos demônios, nos sufoca, retém no meio do caminho os nossos sentimentos mais elevados e genuínos, porque temos de julgá-los antes de deixar que fluam.
E, vítimas desses sintomas, contemos nosso espontâneo encantamento diante de uma expressão de arte, para saber primeiro de seu criador, em que "lado" se situa, e perdemos genialidades sobre-humanas, perdemos profundidade, perdemos, pior, a leveza do querer bem sem razão, essas "sem razões do amor", tão bem declinadas nos versos de Drummond, só porque somos humanos dotados de uma capacidade inerente e animalesca - sim, animal, institiva, quem diria - de simplesmente amar, coisa que a "razão" já não anda processando.
De todas as perdas, a perda: a perda de enxergar o tamanho do que se perde e o quanto fica disso.
Relativizamos hoje, doentes, até a perda pela morte que, por mais espiritualizada que possa ser enxergada, é sim um estado de ausência, de contato perdido, de extinção da riqueza das boas surpresas do que é vivo, de doer "de tanto medir a distância, saber que não vou te tocar além da lembrança."(Beto Guedes)
Sinto uma dor enorme pela morte do Dimenstein, com sua sensibilidade fora da curva no jornalismo que eu ouvia no meu radinho do carro toda manhã indo pro trabalho, em tempos tão distantes e simples, de semeaduras, julgava.
Por isso, entendo a poetisa Elisa Lucinda, que, em homenagem ao escritor, falou em poesia sobre o fato de sobrevivermos, numa luta heroica de tentar e tentar. Ela o fez em homenagem principalmente à luta de Dimenstein para sobreviver a uma doença do corpo e sobreviver em todos os aspectos do viver e ser.
Cada perda importa, e muito, e é por elas e por essa de Gilberto Dimenstein e também por toda a dor que significa perder humanos e humanidades que escrevo estas palavras em pranto, esse pranto há tanto tempo contido para não "ser fraca", humana.
Ninguém me perguntou por que ou por quem, mas que eu saiba e deixe, enfim, que meus sinos badalem. Eles dobram, redobram hoje por todas as perdas e assim é um modo de eu me achar.
Vá em paz. E fiquemos nós, enquanto aqui, pelo amor.
Maria Angélica Taciano
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