Ela ouviu tocar aquela balada de que ele gostava e que, como muitas outras, era por ele reproduzida numa forma própria de delatar algum de seus tantos amores e desencantos.
Então, ela se lembrou de que com ele ouvia essas canções com menos encantamento do que um esforço em buscar, entre letra e melodia, uma única nota que contasse do amor dele por ela.
Sem ter nunca essa certeza, doía-lhe não participar da beleza que aquele homem exalava de sua alma precisa, seu basto cabelo cheio de vida sem ela, suas canções e poesia.
Mesmo depois de passado tanto, já tanto tempo de sua partida, ainda o vê nítido nas mesmas baladas que tocam no rádio e que ela ouve certa de que sua ausência é para sempre. É chegado o tempo de serem apenas baladas, canções que lhe fazem lembrar-se dele. E só.
A história deles dois, se é que houve, evaporara-se como fumaça, desfazendo seu indecifrável desenho no ar ou pendurada em sonhos fustigados por já cansado anseio de ser ela, uma vez, a mulher de suas baladas de amor.
E é entre fumaças que, então, a delicadeza da poesia musicada e de tão apurada escolha (como ele sabia!) desperta nela uma antiga dança. As mãos no próprio corpo, tão de si mesmo esquecido, reencontram o clímax da saudade cujo paradeiro se supunha também perdido. E, no palco, a música devolve um tempo à alucinada bailarina, que descobre - quem diria! - que esse seu corpo guardou suas danças de quadris e suspiros, numa exaltação além do cansaço desse amor inacabado. Enfim, descobre também que é ele quem ainda povoa toda a vertigem nascida dessa elegia à memória e à música...
Houve o seu amor e ela o ouve entre os chiados de um rádio! E das baladas por ele outrora escolhidas, seja por uma sua descoberta ou por invenção, sabe agora que eram, sim, todas para ela.
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