segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Vida que Segue: Presente

 





Na sala, só o corpo rijo e frio é presença
Só o corpo e alguma história levada dali.
No jardim ao redor, todos os vultos de gente
flutuam sua inconsistência de existir,
loucos para que este seja mais um fato consumido.
É insuportável a presença tanto quanto
o cheiro da vela e do incenso.
Por que tudo isso,
se dor deve mesmo é ser consumada
com um botão "publicar"?
E horas, talvez um dia, e meio milhão de olhos,
que não veem mas visualizam,
sejam o tempo necessário
de purgar esse sofrimento
de certa duração medida nas réguas ínfimas
da nanotecnologia.
Então que sufoco é esse tão cheio de intangível vazio?
Alguém sabe de alguma dor que perdure e revolva,
mas que não se fixe em entranhas
e manifeste com outra cara e nome,
geralmente, de perfil feliz?
O velório nosso é de cada dia,
enquanto a morte de verdade sucumbe ao irreal.
Que a vida nos salve e que alguma poesia se cate no ar,
porque, por dentro aqui, já quase não se respira


sexta-feira, 24 de setembro de 2021

CONSUMIDOS






O homem que cata papelão na rua 

descansa seu carrinho de catador 

e saca um iPhone do  bolso 

Folhea-o distraidamente 

com olhos que sorriem

Passados, futuros, amores...

Ou a mera alegria de um iPhone

nas mãos do catador

vencido ou vencedor.


Feliz instante?


Eu não sei entender se a cena 

é de um capitalismo ou socialismo

Nem o que significa esse tal ser feliz


Maria Angélica Taciano

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

O BRASIL NUM FILME DE HORROR - O "Gabinete do Dr Caligari" é para os fracos



Já assisti a algumas sessões da CPI da Covid que trouxeram informações terríveis sobre o tratamento dispensado pelo Governo Bolsonaro à pandemia no território brasileiro, mas nenhuma sessão a mim me pareceu tão assustadora quanto à de hoje, em que depôs o Diretor Executivo da Prevent Senior. 


Se todas as acusações forem confirmadas quanto ao modo de agir da entidade e sua parceria com o "Gabinete Paralelo do Ministério da Saúde", pode-se afirmar que estamos vivendo, sob o céu do Brasil, o mais recente experimento aos moldes nazistas de testes científicos usando cobaias humanas, sobretudo velhos, já que a Prevent tem como público mais relevante pessoas idosas.


As menções ali referidas trazem indícios tenebrosos de experimentos em humanos com o tal Kit Covid, distribuído gratuitamente e com receituário médico padronizado a qualquer ingressante nos planos da operadora de saúde, bem como a sua aplicação em doentes confirmados e internados nos hospitais credenciados. 


O fato escabroso envolve suspeita de matricídio, subnotificação de mortes por COVID por fraudes em atestados de óbito e participação do Governo Bolsonaro como incentivador, ou até  mentor das operações, por meio do Ministério da Saúde e seu gabinete paralelo, o que envolveu profissionais da área médica vocacionados à ascensão profissional, ganho de dinheiro e sustentação de uma tese não científica de tratamento paliativo de COVID. Estou horrorizada!


A alegação da operadora de saúde e seu Diretor é que os médicos é que eram "livres" para receitar o que quisessem, ainda que tratamentos não confirmados cientificamente, e que a responsabilidade, portanto, seria desses profissionais.


Responsabilidade.


Acho que isso é  o ponto menos nevrálgico da questão, quando temos um Presidente que reafirma o tal tratamento precoce num discurso bizarro na ONU, para o mundo inteiro ouvir. (Aliás, um aparte deve ser feito: não riam do discurso, modos ou palhaçadas do Bolsonaro. Tudo ali é calculado e tem  um fim, um fim posto em plena execução, que é a eliminação massiva de vidas em nome de dinheiro e poder. E quando ele o faz na ONU, de modo à vontade, ele indica que nada o deterá. Há algo muito grande por trás disso, há não?). 


Pois então, há sérias suspeitas de que estamos com práticas de experimentos nazistas, em pleno século XXI, em território brasileiro.


E como se trata tudo isso que ao fim se mistura com toda patacoada estridente do chefe do governo todos os dias? Com uma cartinha dirigida a ministro do Supremo, ditada por Michel Temer ao facínora no poder, carta essa que nunca teve a intenção de aplacar a sanha assassina do ditador, mas acalmar a reação de quem devia reagir.


Ao largo dessas intrincadas manobras de politiqueiro, penso como deve ser horrível ter a doença COVID, e seu alto grau de letalidade, ir ao hospital, entregar-se em confiança a um médico de uma rede de saúde privada e este ministrar remédios experimentais em você. Consegue conceber o desamparo? 


Os efeitos disso são  quadros de uma degradação fisiológica inenarrável, a ver pela descrição da causa mortis no prontuário do médico Dr Wong (ferrenho defensor da cloroquina, falecido de COVID)  e da mãe do empresário Hang, o Véio da Havan. Este, pelo que se noticia, não somente internou a mãe aos tais experimentos como, depois, mentirosamente, disse em redes sociais que esta morrera de COVID por NAO usar cloroquina, numa visível e fraudulenta campanha de apoio ao tratamento. Como pode?


Temos um genocídio com requinte de crueldade em andamento, uma escalada intrépida do fascismo no país e nenhuma resistência efetiva para tirar esse homem do poder; temos, ao contrário, um Lira conivente. Tudo porque, antes da vida e da nação, há os interesses pelo dinheiro, mesmo dentre os novos "arrependidos bolsonaristas". Primam pela cautela antes de tirar o bufão do poder. Como ficariam os investimentos, e se, pior, a classe operária volta ao poder? Hum! Pensemos, vamos devagar... O que são números (de mortos) se não são números (nas bolsas)?


Tudo explica o desassombro com que até o filho fedelho de Bolsonaro faz chistes de ameaça às instituições da nação; ele sabe que caminha em território firme e dominado e que nada irá lhe acontecer.


Então, aos que riem das graças tenebrosas de Bolsonaro, tendo-o por louco e/ou burro, não o façam a menos que os risonhos sejam como hienas, que riem antes de devorarem as presas numa disputa por comida, ou que sejam uns nervosos, que gargalham de medo e  desespero diante do terror. 


Nós, gente comum brasileira, estamos morrendo de medo, dor, angústia, desamparo e de morte matada. Não achamos graça nisso.


Maria Angélica Taciano   


*(Imagem: Montagem sobre imagens do filme O Gabinete do Dr Caligari - Fotomontagem Vinícius Vieira/ Jornal da USP.)

terça-feira, 21 de setembro de 2021

A HARMONIA QUE NÃO QUEREMOS

Nunca estiveram tão frágeis, depois da democratização do Brasil,  as instituições de poder republicano do país.


Depois de uma clara ameaça à Democracia, por atos, mobilizações financiadas e discursos de ruptura da ordem constitucional pelo chefe do Executivo,  é muito inocente pensar que o pior foi superado só porque uma nova alvorada sem chumbo despertou no dia 08 de setembro.


Em tempos de algoritmos, é no ar que a realidade paira e até chumbo flutua. 


E trôpegos, tentando flutuar nessas ondas, porque depois do tropeço e antes da queda há sempre um voo, estamos aqui, sentindo-nos salvos nos discursos de quem nos trouxe até o estado de coisas em que vivemos.


Foi com estarrecimento democrático que ouvi nas rádios os brados do Presidente da República, em seu palanque golpista na avenida Paulista  Dos presidentes dos Tribunais Superiores ouvi, com não menor estarrecimento, os  gritos de pedido de reforço ao Legislativo, este que francamente claudica com outros discursos moderadores, que são tão inúteis quanto reveladores da conivência com perspectivas tenebrosas ao país.


Estamos definitivamente  por nós. Mas quem somos nós? 


Nem isso mais sabemos diante da volatilidade das certezas, que um dia se encolhem face às ameaças e gritos e, noutro, se agasalham sob um manto fino de que tudo não era "sério" , ao contrário, quase jocoso para estampar inúmeros "memes".(Vamos sorrir, afinal, que sorrir é remédio nessa terra doente sem outros remédios! )


Dizem que antes de toda morte há um sinal de um sopro de vida.  A Democracia no Brasil vai de sopro em sopro dando seu adeus fatal.


É de sopros que ela morre sob os tiros dos tais canhões que flutuam nos perdões, nas indignas lágrimas e desculpas, na fé de hoje em valentes que, ontem,  nos privaram de toda forma de vida, da dignidade da justiça, da proteção das leis e da Constituição.


A morte num segundo beijo de um vampiro, conhecido, assassino de Democracia, é hoje  aceita por um estranho alento que cobre o medo ou a descrença.


Nunca estiveram tão frágeis as instituições de poder republicano,  após a democratização do país, porque seus titulares de agora estão, ao fim e ao cabo, em harmonia. 


Ai de nós!

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Vaga Luz

 





Olhava tão alto, tão alto
que achava que as luzes dos aviões
eram vagalumes

E ao rés do chão se deitava,
braços ao ar, tocando na escuridão,
luzes intermitentes
de luminescentes aviõezinhos ao redor

domingo, 12 de setembro de 2021

Lua em telhados

 A lua me sorri do alto de um telhado 

como o gato de Alice

Com tal sorriso convida 

 a um mundo fantástico

 como uma noite enluarada.




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