com a placa "Tenho fome"
atravessa meu vidro fechado
e tantos vidros e corações fechados
nos carros, blindados.
O sinal verde vem dizer
para seguirmos indiferentes.
E a fome e o menino
sequer tiveram espaço
no espelho retrovisor.
Passou. A vida prossegue
e rezamos a Deus, agradecidos,
pelo dia reto, sem os atropelos
que entravam seu trânsito.
Os automóveis seguem em
obcecada procissão
passando por bares, calçadas, tevês, risadas,
alívios de sinais verdes.
E a injustiça gargalha na face em transe
dos motoristas sérios,
e nas ruas, e nas TVs, e nas caras feias de juízes nus,
e no odor das mensagens de motor.
A injustiça está consumada, feita.
Não admite marcha à ré.
Segue o tal trânsito que não pode parar.
A vida continua e é isso que mais dói
no estômago vazio do menino nos semáforos
com a placa "Tenho fome".
De quê?
Nenhum comentário:
Postar um comentário