segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Um Homem que não se chamava Baudelaire” (*)


Para você, com carinho.


"Às vezes, me sinto muito só. Sem ontem e sem amanhã. Não adianta que haja pessoas em volta de mim. Mesmo as mais queridas. Só se está só ou acompanhado, dentro de si mesmo. Estou muito só hoje. Duas ou três lembranças que me fizeram companhia, desde segunda-feira, eu já gastei. Não creio que, amanhã, aconteça  alguma coisa de melhor."
(O diário de Antônio Maria)

                                        
                                         

Por que Antônio Maria, se você e ele aparentavam temperamentos tão distantes? Ele, um homem popular, falastrão, cheio de amigos. Você, um cara reservado, de palavras poucas e precisas. Quase nada popular.

Ardia em ambos, contudo, a identidade no refinamento do humor, na extrema sagacidade e na profunda solidão, a solidão, esse rio manso, de águas escuras e fundas em que poucos ousam mergulhar.

Você sempre citava Antônio Maria, mencionando suas crônicas esportivas, sua inteligência, a beleza de sua música, seu bolero. Você dizia de Antônio Maria para dizer de si mesmo. Nele você se revelava e, em você, ele se ocultava.

Homens lapidados na noite, na boemia e dotados de extrema poesia por vezes incompreendida, as duas figuras tiveram o melhor de suas vidas cantadas por terceiros, denunciantes encantados. Muitos destes forjaram suas próprias histórias a partir dessa magia.

Completamente amplos no sacrifício pelo amor -  um deixou-se devorar pela vida, e o outro, pela morte - partiram em plena elegia à sua solidão. Nem a derradeira despedida serviu de motivo bastante para romper esse pacto.

Porém, a sua arte da vida não é como a de Maria, que se imortalizou no merecido reconhecimento da matéria de sua estética. Não, a sua arte reverbera como um eco e como tal vai-se alastrando, perdendo sua força e contorno até emudecer...

Mas há algo nela que sobrevive por si, e em algum ponto, sem o compreender, ela é vivida, doída, captada num brilho fulgurante de olhos de menino como foram os seus até o fim. E, inusitadamente, um silêncio é rompido com um afinado e muito familiar assobio que sopra uma pérola musical do melhor repertório de amor dos anos 50, extraída “diretamente da Rádio Tupi”:

“Ninguém me ama,
Ninguém me quer,
Ninguém me chama
De Baudelaire.”

E a saudade vem como ondas de rádio.

(*Referência aos versos do samba-canção “Ninguém Me Ama”, de Antonio Maria e Fernando Lobo)

Um comentário:

  1. Tenho certeza de que ele gostou, com seu risinho contido, característico. eu também!

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