Para você, com carinho.
"Às
vezes, me sinto muito só. Sem ontem e sem amanhã. Não adianta que haja pessoas
em volta de mim. Mesmo as mais queridas. Só se está só ou acompanhado, dentro
de si mesmo. Estou muito só hoje. Duas ou três lembranças que me fizeram
companhia, desde segunda-feira, eu já gastei. Não creio que, amanhã,
aconteça alguma coisa de melhor."
(O
diário de Antônio Maria)
Por
que Antônio Maria, se você e ele aparentavam temperamentos tão distantes? Ele, um
homem popular, falastrão, cheio de amigos. Você, um cara reservado, de palavras
poucas e precisas. Quase nada popular.
Ardia
em ambos, contudo, a identidade no refinamento do humor, na extrema sagacidade
e na profunda solidão, a solidão, esse rio manso, de águas escuras e fundas em
que poucos ousam mergulhar.
Você
sempre citava Antônio Maria, mencionando suas crônicas esportivas, sua
inteligência, a beleza de sua música, seu bolero. Você dizia de Antônio Maria
para dizer de si mesmo. Nele você se revelava e, em você, ele se ocultava.
Homens lapidados na noite, na boemia e dotados de extrema poesia por vezes incompreendida, as duas figuras tiveram o melhor de
suas vidas cantadas por terceiros, denunciantes encantados. Muitos destes forjaram suas
próprias histórias a partir dessa magia.
Completamente
amplos no sacrifício pelo amor - um deixou-se
devorar pela vida, e o outro, pela morte - partiram em plena elegia à sua
solidão. Nem a derradeira despedida serviu de motivo bastante para romper esse
pacto.
Porém, a sua arte da vida não é como a de Maria, que se imortalizou no merecido
reconhecimento da matéria de sua estética. Não, a sua arte reverbera como um
eco e como tal vai-se alastrando, perdendo sua força e contorno até
emudecer...
Mas há
algo nela que sobrevive por si, e em algum ponto, sem o compreender, ela é
vivida, doída, captada num brilho fulgurante de olhos de menino como foram os
seus até o fim. E, inusitadamente, um silêncio é rompido com um afinado e muito
familiar assobio que sopra uma pérola musical do melhor repertório de amor dos
anos 50, extraída “diretamente da Rádio Tupi”:
“Ninguém me ama,
Ninguém me quer,
Ninguém me chama
De Baudelaire.”
E a saudade vem como ondas de rádio.
E a saudade vem como ondas de rádio.
(*Referência aos
versos do samba-canção “Ninguém Me Ama”, de Antonio Maria e Fernando Lobo)
Tenho certeza de que ele gostou, com seu risinho contido, característico. eu também!
ResponderExcluir