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sábado, 30 de julho de 2022
Receita Esquecida
Misturei açúcar, canela e tristeza
no bolo que hoje preparei,
vendo que na cozinha apenas resta
da nossa última festa,
além do silêncio, vestígios
de manteiga e ausência.
A fumaça do café, no fogo os estalidos
nada aquece o tanto frio
do que foi na casa o lugar da alegria
e, na boca, o governo da orgia
dos sentidos.
A massa e a mordida à mesa, e nesta,
comer do outro a amorosa oferenda
eram um deleite à nossa cozinha festeira.
Um bom bocado de poemas e beijos
(Como pudemos esquecer da mais simples receita!)
E parecia tão exata a medida
do doce que nos saciava:
azeite, aniz, açúcar e amor;
tudo em ponto de bala
Não sei por que desandou...
E havia aquele girassol
que da janela espreitava
o segredo de nossa culinária,
os sonhos com que a gente se lambuzava.
Lembra?
Sem gosto, sem nós, também se foi.
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quarta-feira, 27 de julho de 2022
Mandala de Giz
Antes mesmo
de deslizar no pão a manteiga
você me disse
que amava outra pessoa
O mundo deu uma volta
e, no ritmo lento e circular
da colher na xícara
e das horas na parede
tudo ao redor girou
E a nossa história clandestina
que nunca foi mundo de toda palavra
cerrou minha boca
amarga de café
na mesma amargura
de meus olhos secos
Depois você voltou
Outra volta no mundo se deu
Vi tão frágeis as suas certezas
enredadas nas dúvidas de sempre
como roupa reformada
das dúvidas antigas
E nós a ocuparmos ainda
o lugar das ausências oscilantes
em nossa mala
de retornos e saudades
E segue o mundo a girar
às voltas com a mesma história
numa toada que toca
os mesmos versos
de um redondo poema
sem fim
Sem fim nem começo
faz-se e desfaz-se
essa mandala de giz
que, na roda do tempo,
remoinha a elíptica ciranda
desse nosso sentimento
como poeira de chão
varrido pelo vento.
A liberdade é azul calcinha
Eu cansei dele me apertando
me apertando, me apertando
sem me dar nenhum prazer.
Eu disse :
"- Chega! Pra mim já deu."
E não uso mais sutiã
Agora, em mim, tudo vibra
Já não danço mais sozinha,
o corpo livre é meu parceiro
Ando pensando em libertar a calcinha...
sexta-feira, 22 de julho de 2022
Sem Saída
Era tudo tão fácil que parecia ser difícil.
(Só podia ser difícil.)
E procurava e procurava
em um molho de um milhão de chaves
aquela que serviria a abrir a porta
escancarada à sua frente.
Nem tentava,
nem olhava,
não cria
O vento, os dias entraram e saíram
por aquela porta aberta
que, louca, rouca, batia e rangia
chamando-o trancado em si.
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