terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Sem Despedida

 Não vou escrever 

um poema de despedida

Embora sejam de despedida 

as palavras que na página pousam

a dizer dos que agora voam


Aos que foram e eu nem conhecia

sem ter tido a vez de reter 

de sua boca o fogo riso

em meus olhos de alegria


A esses este poema 

Partiram, sem despedida.


Para aquela que teria 

a palavra salvadora

no instante definitivo

da mais dura agonia


A ela este poema

Agonizou, sem despedida.


Para aquele que romperia 

o silêncio com cantigas 

de cifrada sabedoria 

sobre o insoluto enigma da vida.


Também a ele o poema

Silenciou, sem despedida.


Este não é um poema 

que trate da despedida.

dama definitiva sufragada 

de nosso adeus  e poesia


Este é um poema de ausências,

do que falta no vazio

Sem qualquer cerimônia 

a dar reverência à memória 


Os músculos que se contraíam

Na dura mecânica do choro

Tremam o corpo num abraço

sem precisar dos braços ao adeus


Pois, por mais que insista a partida,

Este não é nem será 

- posto que não mais há - 

Um poema de despedida




O de manhã da noite



Ela ainda soprava notas de alegria

Cantoria comum após noites de festejos

De dentes e beijos, de sexo e folia


Ainda trazia os cabelos molhados

Fios gotejando como as águas de suas partes

Tão festeiras, tão chuvosas

Na dança de suas carnes


Preparava-se em sorriso,

 Para, quem sabe, novas lambanças   

Com cheiro fresco de sabonete no chuveiro

Escorrendo entre tremores e lembranças


Não vestia sequer a certeza

 Se tudo estava certo

Certa estava de que tudo, talvez

Se pusesse em seu devido lugar 


O jogo estava entregue, toalha no chão. 

Quem pensa em vencer 

Se tão bom

É ser vencido na paixão



Imagem: Tela "Leda e o Cisne", Michelangelo.















quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Ascensão

 





Para o alto se ia, 

passando por milhões de anos

Vias lácteas, planetas 

que ficavam para trás


Subia, subia

Em direção à última estrela

Na trilha em que tudo brilhava

no tempo da luz

Mesmo tudo sendo escuridão


E ria elevada, subindo

Essa vertiginosa subida

Já sem caminho e descanso

Suplantando astrofísicos vazios


E olhava para baixo onde cometas

brilhavam como cascalhos

Arrebatando dinossauros

E lavrando terra com fogo


Subia e mais nada era alcançado

Pelos olhos e lembranças

Nada havendo além de si

Como flutuante centelha


Nem som, nem noite ou dia

Somente altura e descampado

Tão alta nunca se sentira

Tão alta, tão alta, tão só

Subia...

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

O Nada e o Êxtase

 






As primeiras horas do domingo têm um estado 
de quietude absoluta que não se dá em nenhum outro dia. 
É o ponto de confluência entre o nada e o êxtase
como ensaio do instante que precede a última hora. 
Deve ser o momento tal em que Deus descansa, 
o tempo em que a morte vigia e não assusta