domingo, 5 de abril de 2020

ORAÇÃO A BELCHIOR POR UMA VELHA BALADA NOVA




Quando tudo isso acabar, vou fazer como aquela mulher do episódio de Black Mirror, que abandonou as redes sociais totalmente.

Nunca mais quero que uma telinha seja minha única janela, porta, boca, abraço, olhos, pulsão.

Vou ser como o Kaspa Hauser libertado, Thoreau na integração essencial com a vida; saber descrever o sabor de sentido no exato momento da mordida na pera como no filme dos anjos. Reverenciar os sulcos na pele, a vitória sobre a exiguidade do tempo.

Mas, se tem uma coisa que abolirei logo de início é de não dizer o que é importante face a face, num bem claro sim ou num bem claro não. Nunca mais uma conversa interrompida, inacabada na covardia de dois sinaizinhos azuis, a indelicadeza da fala sem ouvidos.

E que votos de Feliz aniversário deixem de  ser esses vazios profundos, perdidos numa centena de milhares de mensagens de meio milhão de amigos intocados com seus dedinhos imaginários em riste. E que nunca mais os olhos sejam sugados por luz metálica roubando presenças. As revoluções, por vezes tão necessárias, parem  de ser sinônimo de indignação feita e sentida só no computador. E que a mentira não mais seja tanto faz verdade. E nenhuma  nudez caiba apenas na palma da mão.

Finalmente, e acho que é a maior graça a alcançar, é que o medo e o "self" deixem de ser senhores de tudo.

Que eu sobreviva a isso, se não na carne, poesia, poeta.

Amém.



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