quarta-feira, 17 de julho de 2019

A BORBOLETA E O CROCODILO (FÁBULA DE UM QUASE PRAZER)




Ele é feroz e está sempre preparado para o ataque e autodefesa. É mortalmente perigoso em seu habitat, mas capitula facilmente fora dele.  Se apanha a presa, no entanto, devora-a sem piedade.

Ela tem um tempo curto e nem sabe que deveria vivê-lo em sua intensidade, mas o faz. É frágil, colorida, leve e inconsequente.

Ela pousou sobre ele. A cena é meio disforme e estanha no princípio, mas, aos poucos, vai-se tornando bela pelo paradoxo colossal das duas peças da combinação.

Ele repousa e aceita aquele afago e deixa-se tocar, também, pelo calor do sol, da água morna do rio. Tudo está quieto... Seus olhos se fecham, mas não trazem a escuridão que lhe permita a entrega ao descanso.

Ela ainda está pousada sobre ele e uma leve brisa logo agitará suas asas e a levará a outro voo. Nunca se saberá se ele perceberá a sua partida: ela tão delicada sobre uma pele tão endurecida. Nunca se saberá se lhe será indiferente a despedida ou se indiferente será qualquer tentativa de fazê-la ficar.

Ele continuará imóvel; seus olhos não abrirão, mas brilharão, talvez, uma lágrima. Talvez.

Ficará ali, aceitando e sorvendo o calor do sol, a água morna... Continuará crocodilo por muito ainda, até o fim.

Ela, a qualquer tempo, pouco tempo, já não será; atingirá, enfim, sua metamorfose e se tornará  flor ou luz.

                                                                              (junho/2013)


Imagem: foto de Mark Cowan, no Amazonas - Brasil.

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