sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Judith

Foi para parir o meu amor
 que eu abri as minhas pernas
trêmulas e molhadas
de sede e espanto.
E me banhei de minha alma
encharcando-me de você

(Tela: Gustav Klimt; "Judith")

Tentação

Eu vou  te seduzir até você ceder.
Vou dizer palavras indizíveis
e te convencer que, em mim,
você encontra sua alegria
genuína
perdida num tempo sem mim

Eu vou te enredar,
dançar folguedo
que fale das paixões secretadas.
Como a minha por você
Libertada,
libertada das tramas do medo.















E vou te levar para a maciez de meus lençóis,
de minhas coxas,
que sei que nunca esqueceu.
Remexer seus guardados
desejos
e isso vai te endoidecer.

Vou te envolver com veleidades
de amor em mim
nunca igual visto,
de Ofélias e Julietas
fidelidades,
ser mulher de um homem só.

E depois de sorvida a fruta,
vamos, calmos, retornar
cada qual à sua direção
sem precisar confessar
que vamos encantados
pela mesma maldição

Pode ser que você até nem vá
e escolha livremente ficar.
De minha parte,
pode ser que um dia eu volte.
Eu volto.
Eu sempre volto.


Foto: Sérgio Larraín



terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Quizás, quizás, quizás


Mais uma noite agônica de ela fingindo não esperar, esperando. E ele, depois da tempestade da manhã do dia desta noite, de novo não volta para casa.
Ela, seguindo o roteiro de sua raiva e dor, corre a preparar seus mesmos delitos, surdos, secretos, como um afogado buscando livrar-se de seu sufocamento  no fundo da água. 
Ele, para salvar  sabe-se-lá-o-que a essa altura, telefona avisando de seu atraso, atrasado, firmando sua ausência que já reverbera na sala, na mesa, na vida vazia.
Ela,  pressentindo que nada deixará de ser como sempre, mesmo com todo o esforço para afugentar a rasa ilusão que ele propõe, aceita; mais do que isso, espera.
Ele sabe, ela sabe, ambos conhecem as marcações do velho bolero, no rádio e na última gota de vinho que escorre no corpo da taça, solitária, deitada no amarelo-baço da luz do abajur da sala. 
Ele canta, ela dança, embriagados, "dois pra lá, dois pra cá". Ele lá, ela cá.