
Ela, Cilene, sabe que é uma das figuras retratadas
no psicodélico cenário. E, no entanto, em seu coração, mesmo representando uma adaptada
caricatura das expressões aterrorizadas da tela de Picasso, sente-se inteira e,
estranhamente, ela mesma. Cilene era parte do cimento e desarranjos e exclusões
e belezas do centro da cidade de São Paulo. Ali era seu lugar.
Como havia tempo ainda para bater seu ponto na
empresa, resolveu parar para tomar o café da manhã, num bar que dava de frente
para a Bolsa de Valores. Ali, mesmo sozinha, não se sentia solitária como o
fora em toda a sua vida até aquele ponto. Tudo parecia em mudança e tinha certeza de que gostaria delas, apesar de bastante assustada com isso.
No bar, a garçonete dirige-se à Cilene sorridente,
mostrando familiaridade com aquela pessoa que era presença habitual nas manhãs
:
- Café com espuma do leite, não é, senhora?
Cilene sorri e acena que sim e aguarda quieta, com o
pensamento, olhos e alma distantes.
- Sabe que a senhora tem um admirador, aqui? Ele diz
que se parece com artista de filme americano antigo. Sempre repara a senhora...
Cilene desperta assustada e olha ao redor a fim de
descobrir de quem se trata.
- Ele já foi embora.- diz a garçonete –, mas vem
aqui todos os dias tomar café também.
Mais tarde Cilene se lembraria dessa conversa e
perceberia que tudo aconteceu tão alucinadamente que nunca veio a saber quem
era esse tal admirador. Ficaria na saudade, na lembrança de bons tempos... "
(trecho do romance "As Luas de Sabina"; Maria Angélica Taciano)
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