No começo, desconfiou da presença insistente daquela pessoa na calçada, com os olhos colados no vestido na vitrine. Não era um homem de cuja aparência se suspeitasse que se detivesse por um vestido floral.
Para o desconcerto da desconfiada vendedora, ele entrou na loja. Ainda olhou, de dentro, a peça exposta na vitrine:
- Boa tarde.
- Boa tarde. Como posso ajudá-lo?
Ele ainda guardou um certo silêncio, olhou novamente para a vitrine. Apontou:
- Quero aquele vestido.
- Qual tamanho?
Ele levou as mãos bem feitas à barba igualmente bem feita, numa atitude pensativa.
- Trinta e seis, oito, quarenta...Qual o tamanho dela? - perguntou a vendedora.
Com as mãos ainda no queixo, ele sorriu depois do incêndio de seus olhos:
- Em número não sei. Mas sei o tamanho.
A vendedora, confusa, ainda insistiu:
- Ela é do meu tamanho?
Sem hesitar, ele respondeu que não. Desenhou no ar o que poderiam ser as dimensões pretendidas:
- Pode pegar os tamanhos próximos a isso?
A moça, intrigada, trouxe um exemplar de cada número e os pendurou numa arara de roupas, para análise do cliente, Este olhou, olhou, pegou uma das peças e a dispôs no balcão.
Foi, então, que ele a despiu dentro do vestido. Primeiro, deslizou suavemente suas mãos sobre a textura, as alças, o recorte da ausência da dama a preencher aquele tecido. Seus olhos devoravam o vestuário deitado sobre o balcão e suas mãos o penetraram com a ortodoxia de um monge ..... Preencheu o vestido com seus braços metidos nele, como num abraço por dentro da roupa. Perscrutou a região em que se repousariam os seios, deslizou o dedo pelo decote. Desceu, após, à cintura e, com a respiração ofegante, fez as medições da região dos quadris e coxas; abriu um imenso sorriso de momentânea ausência de ali.
Num suspiro, saiu do transe:
- É este.
A moça embrulhou a relíquia numa seda e a postou nas mãos estendidas dele como prontas a segurarem um finíssimo cristal.
Ele saiu da loja levando seu corpo cujo espírito já ia em sítios distantes... Sob o olhar da vendedora, ele dobrou a esquina.
Em algum tempo depois, o tal vestido seria encontrado jazendo desmaiado sobre um carpete de um quarto. Seu corpo dono, de novo, conduziria as estradas que fizeram aquelas mãos deslizarem num vestuário sobre um balcão, numa caminhada exata a destino tão preciso.
De um lugar qualquer, o canto cortante de Fito Paez atravessaria o burburinho da multidão da rua vindo preencher lascivamente o quarto, a cama, as vozes incompreensíveis do lugar. O vestido, então vazio, em sua lassidão, tal como a canção, se prepararia para contar toda a história de um amor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário