segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Sertão


 

    Não é um desgosto, pelo contrário, há ali muitas fibras tecidas no querer. Nem é um desencanto como espera que não se cumpre. Concretamente, esperas nem sequer houve. Nem é, tampouco, a perda do que antes fora, pois há sempre um estado de um contínuo permanecer que se renova.

Na verdade , trata-se de um estranhamento, um desajuste, na melhor expressão. Simplesmente, uma peça que não se encaixa no último espaço do tabuleiro, não tendo sido ela feita de fato para encaixes:  una, exclusiva, em seu começo e fim de objeto ser.

Talvez esteja no vento que vira a folha, no sol  que clareia e traduz mais conhecimento e vida; ou na chuva que apenas chove, porque é época de chover, haja ou não as sementes lançadas ao solo.

É um algo de desarranjo num todo que se harmoniza. Sem destino a chegar, tudo é um estado de fluência para algum lugar. 

E nada se quer, mas se obtém. E nada se dá, mas se completa. 

Sem previsões de necessidades, de abundâncias ou explicações, apenas é.



Um sopro de Amor




Vim com a alma lanhada, ávida por vida. 
Encontrei-o com as mãos estendidas
a suster, junto das suas, 
as minhas dívidas.


Os nossos corpos foram maestros
da sinfonia do gozo e  da dor.
Pensamos que era outra vida que nascia
de nosso desejo, dos gritos do nosso amor.

Nascer soubemos,
viver foi matéria que não entendemos 
no mesmo idioma. 
Mesmo que por línguas se desse 
nosso mais ardente encontro

Minha entrega brasil queimou sua pele
feita de gelo, medo e despedida. 
Morríamos a cada respiro 
de um gostar desentendido

O pulsar da vida me carregou para longe; 
o medo da morte o fez ficar.
E sendo vida o que se quer, 
por amor, vou vivendo por mim e por você.

Eu levo comigo as suas feridas 
e lhe deixo as minhas, 
para você não me esquecer.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Sem Sentido

 



Como desfazer o nó

de meu coração apertado

já, de fato, meio habituado 

a suas cordas emaranhadas


Mas desta vez o golpe foi forte

assaltando sua bases

de linhas desordenadas

todo entregue a alguma sorte


Sente-se trôpego o danado

Sem ritmo e fôlego

tendo seu sofrido ribombar

pausas mais estendidas de silêncio


Nem mais chora  o desditoso

ou repulsa os desencantos

Bate só por costume e ofício

meu coração sem sentido























 


quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

A Fuga




O amor me escapou

por entre os dedos

os olhos, o sexo

Fiquei nua numa nudez pelo avesso,

contrária àquela da que o amor me vestia


O amor - eu não entendi -

não me deu explicação

Desceu a escada, transpôs a porta aberta


Penso que não se sentiu em casa,

sem grades e portão

Foi buscar outra morada

mais segura e encadeada


O amor não suportou tanto espaço,

tanto vento, tanta ausência de lamento

E esgueirou-se por entre os vãos

das palavras silenciadas


O tesão o terá assustado e a entrega

sem tarifas? O amor não aguentou

nossa vida, a liberdade, as ínfimas alegrias.


O amor me escapou dos dedos 

de minhas mãos abertas

Estas mãos que lhe abrasavam o corpo, 

durante toda a nossa festa


Foi-se o amor sem um adeus,

sem clara razão e endereço

Deixou parte do vazio

que em sua mala levou.


Foto: Victoria Borodino


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