Quando retornei a Minas, depois de anos de ausência, fui numa viagem de encontrar com minhas raízes, tão necessitada me via de bases essenciais. Foi no ano em que o Brasil sofria o golpe de Estado, com o rompimento da jovem democracia pela deposição da presidenta eleita, Dilma Rousseff.
Achei a Minas que buscava, com seus causos, sabores, suas horas lentas, seu povo desconfiado de olhos à espreita. Era a Minas da paisagem generosa, do deus céu Urano deitado sobre Gaia, em sua cópula infinita, nas curvas montanhosas e belas da mulher terra.
E havia aquele ar da tristeza natural e reservada de Minas, engendrada nos sorrisos furtivos, na contradição da riqueza a um tempo explorada e emancipadora das cativas liberdades, da terra de cujo ventre sempre jorrou, mítica e esperançosamente, a magia do nascimento de reinados improváveis de Chicas e Chicos.
No entanto, coabitava a outra tristeza, a não natural, a advinda dos efeitos do desastre terrível de Mariana, lavada pelas ondas assassinas da ganância do capital. Ainda assim, resistia a resistente Minas...
Na segunda viagem, voltei a Minas a buscar elementos de guerreira, indo pela trilha dos heróis martirizados da Inconfidência Mineira, para ouvir a voz insufocada dos vencidos. Encontrei os rastros dos escravos, heróis inominados, e da dívida que não se paga...
Num ano tão amargurado, em que o que há de pior da vilania tomou nosso país, a Minas revoltosa surgia como um necessário berço a dar nortes à minha alma desalentada.
E foi a força da História, da natureza, das pedras, dos minerais quem me recebeu em Minas. Quanta montanha subida, quanta água de cachoeiras e batismos, quanta rocha esculpida a olhar com seus olhos seculares de profeta!
Mas no caminho, sempre, como a pedra incompreendida do taciturno poeta, havia a Minas revolvida pelas mineradoras e as linhas de trem, e um nó no peito de saber de nossa riqueza se indo de nossa pátria, sem obstáculos..
No dia em que o tirano tomou o poder, houve um silêncio macabro, um grito de esqueletos, que dizia "Por que de novo? Por que de novo?".
Veio então a resposta, eivada de toda a tragédia que circunda a ganância e o dinheiro, num reiterado estrondo, numa massa de lama varrendo tudo, soterrando vida, História, sonho, a beleza e a força de Minas, os ecos proféticos de suas montanhas ... A resposta veio abusada dizer "foi pouco.".
Hoje, de novo, há lama sobre Minas, fruto da derrama sangrenta de um Brasil que abafa qualquer prenúncio de sua liberdade. Há lama sobre Minas.
Porém, algo que vem das entranhas me diz que há Minas, há Brasil sob a lama, e que há heróis sufocados por pó e medo em nós.
Pois que esses heróis emerjam, porque se o sinal de salvação das vidas sacrificadas pela barragem não foi soado, outro tocou e vem deixando seu claro aviso: não há pilares que sustentem mais nenhuma espera, e o único caminho de respirar se apresentou. E precisamos urgente respirar.
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