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(Os atores John David Washington e Zendaya, em cena do filme "Malcolm & Marie")
"Malcolm e Marie", do diretor Sam Levinson, narra a noite intensa de um casal que retorna de um prestigiado lançamento de um filme escrito e dirigido pelo personagem Malcolm e a roupa suja que então se lava, numa afiada e dolorosa discussão, que tem por estopim um deslize cometido pelo homenageado na hora dos agradecimentos pela ovação de seu filme.
O tal fato traz à tona toda uma teia de sentimentos, impressões, dúvidas e mágoas que cada um daquela dupla tem em relação a si mesmo e em relação ao consorte.
Nessa discussão, que transcorre entre diferentes temperaturas e que chega às margens de questões bem perturbadoras, nas quais, não raro, nos reconhecemos em alguma medida, se vê o quanto é comum se reproduzir sobre os mais próximos tudo o que se gostaria de obter e não se obtém do entorno, do mundo de fora, e a explosão para outras direções dessa frustração abafada.
"Malcolm e Marie" traz à tona, num diálogo muito bem elaborado, atuações impecáveis da dupla de atores, uma trilha sonora lindíssima com jazz, blues e soul dos grandes, e em meio a um ambiente em preto e branco, questões que vêm do subterrâneo das relações amorosas, sociais, políticas e humanas. Estão, por exemplo, no mesmo patamar de importância e significado, desde um macarrão com manteiga que a mulher prepara para matar a fome e acordar a realidade, quanto o discurso revoltado do personagem cineasta em relação à crítica recebida da mídia branca, que julga a qualidade de seu filme exclusivamente pela perspectiva de se tratar de uma obra feita por um negro. E, no entanto, esse reconhecimento pretendido o mesmo cineasta avaliado não o devota à sua companheira, talvez pelos mesmos caminhos do olhar percorrido pela jornalista que fez a crítica de seu filme.
Marie, por sua vez, como o companheiro Malcolm, com todas as armas que ambos têm e poderiam usar e se libertar, não toma nas mãos o que realmente quer, apenas esperando passivamente, até aquela noite, que lhe seja entregue tudo o que julga lhe pertencer. E nesse caldo se diluem questões raciais, de gênero, as falas engolidas e a velha história do medo e do egoísmo mesmo (ou principalmente) numa relação de amor. Demasiado humano!
É um filme que fala sobre se ir despindo até a grande nudez da honestidade, como no decorrer da película em que se dá a retirada gradativa de roupas, desde a chegada em casa do casal com suas vestes de gala, até a paulatina perda do glamour festivo com a deposição dos adereços e modos de cada um.
Basicamente é um filme sobre a luta que se trava entre usurpar e buscar tomar de volta. E o que pode se salvar de tudo isso sem as fantasias ou máscaras (não estamos, afinal, para Carnaval). Mas também é um filme que fala de ternura, da ternura que nos calça para andarmos pelos cacos estilhaçados no chão, até o apagar da última luz.
Lindo filme!
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