domingo, 31 de janeiro de 2021

Estrela de Domingo

 




Peço que me perdoe pelo amor

que me entregou sem cuidado

e que eu, descuidada, não soube receber

E hoje, ausente, escorre tardo

pelas linhas retas do fim do dia de domingo.


Não falo de outros domingos morosos 

que apenas adiavam nosso amor dos dias úteis 

de inúteis adeuses em meio a hálito e suor, 

estrelas liquefeitas em nossa pele


Minha escusa habita o silêncio  de hoje

 que brilha o que é de ontem

no choro suspenso na pálpebra 

fechada, que treme como seus ombros

 tremendo a dor do fim


Peço perdão porque não abri a porta

e não fui pousar as mãos sobre seu soluço

Convidar de novo a ir àquela cidade secreta

e não voltar, não voltar nunca mais os olhos 

aonde se pendurasse esta lágrima pesada


Carregada desse amor 

que você me estendeu tão sem cuidado 

e, descuidada, não tomei 

Peço perdão!


E fulge em meus olhos fechados

na lágrima suspensa

toda a constelação de Órion

como a caçadora estelar de perdido tesouro

nas noites sem perdão desses domingos sem fim



Trégua

 






Na fachada miserável

Da casa miserável

Balões coloridos anunciam

festa iminente


Três homens miseráveis

dispõem os últimos arranjos

na fachada da casa miserável

que anuncia celebração


Os homens sorriem da alegria

 contaminada pelo futuro festejo

fazendo festa antes da festa, na fachada

da casa que sorri de dentro de sua miséria


Neste dia os balões afugentam 

como um amuleto

tudo o que sempre morou na casa 

e sua miséria, por hoje, esquecida


Hoje a miséria dará uma trégua

porque há balões, promessa de festa

três homens miseráveis que enfeitam e riem

E porque a rebeldia da alegria triunfou


segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Poemas do Amor

 





Preciso do amor em tudo o que faça.

Sem amor não trabalho,

Não vou à janela.

O homem desejado que passa

Não mais o quero: muito sem graça.


Sem amor, como em peneira,

O vento me transpassa

 E nada treme


Farta de peso, ferro e ferrugem

Envelheço do que não é do tempo

Na esterilidade do sentimento.

Da falta sua...


Se amo e rio e de um rio de luz 

A face se faz inundada,

Não vem do  espasmo dessa alegria

Só o riso que frange a pele 


De ruga e vivência, por ontens, amontoadas.

As linhas em meu rosto, 

Sulcado de tempo e querença,

São meus poemas de amor.


Não vem do espasmo da alegria

O rio de luz na face 

que se faz inundada

do riso que frange a pele

se amo e rio






Se amo e rio e de umão vem do  espasmo dessa alegria rio de luz 

A face se faz inundada,

N

Só o riso que frange a pele






domingo, 17 de janeiro de 2021

SENTA QUE LÁ VEM FILME : "CAFARNAUM"

 




Cafarnaum, filme multipremiado de Nadine Labaki, não é, como muitos poderão pensar, mais um filme sobre pobreza. Não, não é mais um: é o mesmo. É o mesmo e eterno enredo sobre todos os tipos de miséria.

É um filme bem feito, belo, de um raro olhar de ternura pra essas coisas nascidas no meio de tanta indiferença humana. É um filme materno.
Não há heróis ou vilões ali apresentados. Como na vida, eles se diluem e se misturam como água e sal, numa bebida difícil de engolir. Não os há, porque a vilania ou heroísmo são, na dura realidade da pobreza, do descaso, do abandono, da naturalização da dor alheia, irmãos provindos do mesmo tronco genealógico de um intrincado sistema desumano. O ápice de ser gente está no limite de não o ser e sobre(viver). É qual um grito de um feto que do ventre pede, por amor à vida, que o aborte; "importe-se com minha vida".
Como disse o pai do personagem central, numa entre tantas falas agudas dos personagens, "somos insetos, não existimos", pra uma criança com olhos de adulto que busca um documento que lhe garanta, ao menos, uma existência oficial. Nem isso.
Cafarnaum tem por tema central a grande indagação sobre o direito de existir e por que isso não é o natural, ao contrário, algo caro a se conceder.
Mas insisto, é ainda um filme que lida com um material possível de ternura, emoção de gente, porque gente é o que está ali, ainda, embaixo de tudo.
Prepare-se para se emocionar. Ninguém consegue sair indiferente da sala de exibição. É quase uma assinatura numa nota promissória (sem avalista!).

SP/ FEV2019

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021