Meus olhos são captados por aquele chapéu que flutua num mar de cabeças, nas ondas das ruas lotadas de Sampa. São Paulo, Sampa... Eu lhe ensinei a declinar esta cidade verbo num latim de muitos erres e erros. Não havia chapéus, então, em Sampa. Pelo menos, o seu ainda não.
Hoje ele passa por mim como miragem e some na cidade que eu te ensinei a amar: "- Olha o viaduto, olha essa urbe lindamente caótica que contorna nosso amor lindo e caótico!". Como no slogan da marca, eu gritava para os carros surdos de buzinas: "amo muito tudo isso!". Seus olhos pousados riam no meu corpo que refletia seu riso. Era tanta luz e não havia vontades de chapéus.
Amo muito tudo isso. E tudo éramos nós. Não, nenhum chapéu, esse camafeu que nos une nas lembranças sombreadas que buscamos, tateando, quando raramente nos vemos. Para te buscar e te achar, não precisava passar um chapéu, havia aqueles seus olhos sempre pousados em mim.
Levávamos a cabeça livre, o coração livre, e pensavam todos que éramos prisioneiros. Pensávamos nós que não, sabíamos nós que sim.
Hoje, andando sozinha, surpreendo-me com um chapéu sem cabeça que me desafia na rua e vai por si, sem mim, sem você. E ele brinca entre a massa de gente, antes que eu veja um rosto por sob sua bainha. E o tal chapéu fugitivo faz como você e balança em minha história e some no meio das ideias, da vida, das necessidades, de outros destinos, de outros amores...E desde o dia em que você me disse que um chapéu lhe abrigava os pensamentos voadores, todos os chapéus passaram, para mim, a ser seus; os pensamentos já não.
"Tajà-Panema chorou no terreiro... Foi Boto, Sinhá."*
A vã esperança de encontrar a velha mágica debaixo desse chapéu, conduz ainda meus passos ligeiros ao ponto de encontro vão. E, no vão do tempo e da escada da estação, lá está ele. Está você? Já não sei se o que busco é seu chapéu, sem o que não tenho mais a certeza concreta de sua presença.
Seu rosto se ilumina em luz quase desconhecida, quase. Tenho medo de procurar seus olhos e não encontrá-los. Entrego-me, então, à dança encantada desse chapéu e agora ele se perde comigo, tão perdida, na eterna multidão em volta de nós.
*Referência à música regional da Amazônia "Foi Boto, Sinhá", de Waldemar Henrique.
viajei por lembranças de uma sãopaulo amazônica...
ResponderExcluire todos esses chapéus capturando meus pensamentos voadores!
Quantos chapéus e lugares há de haver para conter esses seus tantos pensamentos voadores!
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