domingo, 15 de setembro de 2019

Ontem, dois sentimentos me invadiram diante de uma banca de peras em um sacolão: desejo e tristeza.
O desejo provindo de toda uma conjunção sensorial, animalesca, natural; era cheiro, era cor,era a memória do paladar tamborilando meus sentidos, fazendo-se água em minha boca.
A tristeza, como sempre, era nascida da razão e seus requintes de consciência.
Doze reais o quilo da pera! Quantas peras comporta um quilo? Quanto uma pera mata da fome? Quantas fomes de uma mesa, quanto  de desejo na panela vazia?
Uma fruta sendo um luxo em um país com milhares de quilômetros de território, com uma diversidade climática e agrícola dessa terra "em que se plantando tudo dá". Não dá.
Meu desejo, de pronto, entra em choque com minha consciência. Nada a ver com o eterno conflito da mordida na maçã. Este sempre esteve no terreno da moral e da religião; pouco tempo o tive.
Mas o saber que, enquanto em mim há um conflito porque tenho uma escolha, a de tomar ou não a pera, justamente essa prerrogativa de escolha, me  traz a sensação de uma tremenda injustiça, pois tanta mas tanta gente não pode sequer pensar em comprar uma pera.
Uma simples pera, cujo desejo em mim tão pulsante, tantas vezes se esvai na frieza de uma geladeira, uma pera simplesmente esquecida, torna-se o símbolo da gritante e injustificada diferença de possibilidades, de acesso, de desejos, de sonhos. Neste país tropical, de profusão de cores e abastança de recursos naturais e alimentos, fartura e diversidade,  representado nas casquetes de Carmem Miranda, seu povo, suas crianças não podem ousar morder as cores da feira, comer pera, nem ameixa, nem manga, nem banana, nem feijão...Como na música do Chico, alimentam-se de luz, para  quem sabe voltar ao paraíso de onde, não entendem, também foram expulsas, dividindo a conta com os que comem maçãs.
Essa tristeza, o exato reverso de uma tênue esperança que tive de viver num país mais justo, tira-me a graça, o desejo, o apetite...
Vivemos num país de duas fomes, a do corpo e a da razão.

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