sábado, 4 de maio de 2019

Deus na multidão

Pelas calçadas degradadas,
a vida desgraçada.
E os saltos vão, desviam,
titubeiam diante de olhos
que não desviam

As pernas sobre eles
não têm mais
o vigor de outrora,
que avançavam
a passos largos
àquela esquina do amor

A idílica estátua é velha
em frente à velha Faculdade
sem juventude alguma
Os jovens viraram
velhos e ausentes

E os olhos pousam
em edifícios feios
que escondiam, antes,
aventuras e irreverências
de estudantes

Não há hoje o antigo
Tudo se tornou novo
e tão velho
Descorado,
sem sentido

Sem sentido o viaduto
por sob onde os carros
enfileiram as mesmas filas
sem alegrias,
apenas filas

Não existem também
aquelas ciganas
com suas saias
a colorirem os caminhos
e prometer-lhe destinos

O destino também se foi.
Foi-se a cidade
tão querida, tão pulsante,
tão amorosa
cheia de tantos amores

Os amores se foram
com esse tempo
que leva
cimento
e sentimento

Porém, ainda resta
uma réstia
da mesma solitária
caminhada
assistindo à vida
presente que passa.

Para. Para
automaticamente
diante de um velho poeta,
um cidadão que lhe conta
que Deus está aqui e agora,

que nunca O vemos
e Ele se entristece,
andando invisível
nas ruas tristes
e sonoras.

Mas  nesse barulho há,
empoeiradas, música e poesia:
Etta James, Oscar Wilde
transgressoramente
se apresentam

na esquecida prateleira,
da banca de jornal esquecida
em que brilha o sol redondo
sobre os  compact discs
em meio a capas antigas.

Há uma alegria
nessa transgressão.
Dez reais e ela sorri,
poesia e música nas mãos,
um verso de si em si

O velho poeta
tinha razão:
Deus ficou mais feliz
e caminha sorridente
na multidão.

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