sexta-feira, 20 de julho de 2018

Contos eróticos

Meu amante alemão.

     
   

                I

E hoje eu precisei, mais do que nunca, estar em mim, livre de personas. E eu voei...Sabe pra onde? Óbvio que pra sua casa. Dane-se que eu encontrasse janelas e portas fechadas. Eu fui.

Demorei um pouco lá fora, um pouco de frio, o sol sem força ainda para desanuviar a bruma. Fiquei ali sentada, no degrau da porta da cozinha. Nem ousei investigar se havia barulho na casa. Os cães me viram, olharam, mantiveram-se quietos. Não ralhe com eles, por conta da negligência de sua vigia, mas eles me viram como conhecida.

Fiquei ali ouvindo o silêncio do mato. Quanto ruído tem nesse silêncio, a menos que se possa chamar de silêncio o marulhar das folhas dançando com o vento, os estalos da mata, aquele monte de canto de passarinho. E eu lá, sabendo que você estava do outro lado. Não sei se a matéria do corpo, mas havia você naquele instante lugar.

Certo momento, ousei e entrei pela janela do banheiro. Andei pela casa adormecida, pensei em lavar a louça da pia, mas não, não quis desfazer a marca de sua real presença, os despojos de seu viver, existir. Isso mesmo, no que é ínfimo, a louça suja, usada, tocada por sua mão e lábios.

Sentei-me diante da mesa e por sobre seu tampo deslizei minhas mãos vagarosas. Fechei os olhos e percebi a energia quente ainda ali, a nossa energia sentada sobre a mesa, à nossa espera. Tive de resistir muito para não fazer o que aquela mesa sugeria.Retirei minha mão e a pus sobre meu peito, que se movimentava em ondas dolorosas de desejo, arfava violentamente.

De súbito, me levantei e me pus a percorrer a casa, buscando-me saciar dos vestígios de você. Fui bem próxima da porta do quarto. Eu ouvia sua respiração, quis entrar e me colocar nua debaixo da mesma coberta, me encaixar no ninho adormecido de seu colo, suas mãos grandes me acolhendo nesse abraço. Mas não fui; tinha medo de não voltar nunca mais.

Voltei à cozinha, fiz um café esperando que o cheiro recendesse pela casa e fosse acordá-lo. O cheiro quente povoou a casa, mas foi cuidadoso com seu sono. Quem sabe se se meteu em seu sonho? Era tão bom estar ali com o mínimo de coisas e o máximo de ser e existir! E com tudo isso mais a chama que vibrava dentro de mim, acedi ao convite da mesa e nua sobre ela me deitei. Tendo os olhos fechados, pernas semi-flexionadas e timidamente abertas, fiz com a ajuda de minha mão o mais próximo do que você descreveu e prometeu que faríamos. Éramos você, eu e a mesa, enquanto você me tocava, me penetrava, me abria, usando minhas próprias mãos. Você, meu amante alemão...

Agora? Sei lá. Eu nem sei se voltei.

                             II

-É sua primeira vez aqui, no Sul? - perguntou a velha sentada ao lado, tirando-me de meus pensamentos. Era uma senhora de pele lisa para a idade que supus, cabelos curtos muito brancos e olhos azuis. Trazia um sorriso nesses olhos, algo tão raro nos velhos.
-Vem a passeio ou a trabalho?
"Venho cumprir uma sina", quis dizer a ela. Mas em meu sorriso e vaga resposta, esforcei para que ela apenas visse mansidão em mim, um simples fato de uma viagem. E enquanto ela me contava das tradições que se misturam com a própria geografia, tudo tão cheio de mistérios para uma mulher como eu vinda de lugar tão sem identidades, vinha-o imaginando colocado nesses elementos. Você se tornando cada vez mais estrangeiro para mim à medida que eu avançava em sua direção. Sentia-o tão próximo dela, brasileira também, mas filha e neta de alemães com esses nomes que a gente mal consegue pronunciar. Minha pele morena, meus cabelos naturalmente revoltos, meus lábios cheios eram quase um insulto naquele cenário. Era eu a de fora da história.
Para onde eu estava indo, por que? A passeio ou a trabalho? Eu sabia que eu ia me perder, mas nada me faria voltar.Meus joelhos estremeceram e um nó no peito se instalou quando a nave pousou no seu chão. Nada mais então, nesse sítio, me pertencia. Sim, era eu a estrangeira, a cheia de dúvidas e de intensos.
Desembarquei do táxi de mala na mão, exatamente no local que combinamos. Tudo era como eu imaginei na sua precisa descrição. Parecia que as pessoas me percebiam, sabiam de meu desígnio. Eu sabia que não desistiria, mas algo de lucidez, num átimo, me jogou a admitir que deveria ir embora, não esperar você despontar a qualquer momento, de qualquer lugar. Você à vontade, senhor do tempo e das coisas a ponto de nem vir se não quisesse, sabendo que eu ficaria ali, qual animal acuado sem me mover, esperando-o. Era o primeiro fetiche o de me dar medo? Esfreguei as minhas coxas uma contra a outra, respirei fundo...Tive prazer nesse inócuo medo.
Sentei-me na mesa designada, no café designado com raiva de minha mania de mudar as coisas de última hora para atender à urgência de minhas vontades. Cheguei uma hora antes do combinado e, obviamente sabendo do desfecho disso, ainda tive aquele amargor de raiva de ter de esperar. Não lhe ocorreu imaginar, não me conhecia, não sentia igual a extrema vontade de antepor-se ao tempo? Tive raiva de mim, tive raiva de você, tão preciso com seu relógio alemão. Como pude me encantar por um alemão?
"-Eu sou anarquista, larguei tudo (ou quase tudo). Saltei de um trem. Vivo no mato, já fui dessa vida delirante, de loucuras. Agora sou um índio alemão. Nada mais anarquista que isso, né?"- e solta sua risada "kkkkkk", na mensagem virtual.
Eu acho esse papo de anarquismo uma babaquice, gente que arruma motivo para não encarar a luta. Puxa vida, o país está uma merda e o cara recluso no meio do mato. "Minha pátria é a mata!". Babaca, quero ver se não tomarmos conta do país, se algum gringo vai deixar você tranquilo na sua "pátria verde". Não, isso não vai dar certo. Já, já deleto esse cara. E, de repente, essa mania de minha vontade ser tão destacada de meu juízo, me vejo assim, louca de vontade de estar nessa sua mata tão diferente de minha selva.

III

É um início de noite, chuvosa. A sala pequena é iluminada pela fraca luz de um abajur. No espaço imediato, predomina o silêncio, emoldurado por ruídos indecifráveis ao longe, lá embaixo, de uma cidade ardendo.
É uma sala de um apartamento. As flores compradas ainda estão dentro do embrulho sobre a mesa. Ao percorrer o carpete acinzentado claro, topa-se com um pé de sapato deitado sobre parte do carpete e das franjas de um tapete vinho escuro. Mais adiante, o outro pé do sapato se esconde, em parte, por sob o sofá azul marinho, dando a parecer que tal sofá é ele  sustentado por aquele salto de sapato feminino. Os pés descalços, donos desses sapatos, descansam sobre o tapete, largados, prolongando-se na mesma letargia das pernas semi abertas e nuas da mulher quase deitada no sofá. Traz as saias suspensas até os joelhos, a camisa solta com dois ou três botões ainda atados, revelando um pouco as curvas de seus seios nus. A mulher sustém uma taça vazia, girando-a nas mãos, distraída.
Na porta da cozinha para a sala, um vulto de homem a observa da escuridão. Ela o percebe, dá um meio sorriso e levanta a taça como a pedir que esta seja reabastecida. O homem sai da escuridão para a pouca iluminação da sala, devagar, trazendo uma garrafa de vinho nas mãos, revelando aos poucos a nudez de um corpo grande e de carne alva.
Ele estende a garrafa como se fosse derramar dentro da taça a bebida. A taça fica no ar vazia e ele faz escorrer pelas coxas dela, que ele põe à mostra ao levantar mais suas saias, riscos de vinhos que são seguidos por seus longos dedos. Ela estremece com um fundo suspiro e já a mão dele investe devagar por regiões não reveladas por sob a saia. Ele, de joelhos diante dela, do v de suas pernas já se abrindo, faz com as mãos e os braços uma espécie de um mergulho no escuro rio. Sua vagina é um alagado, molhada, quente, ardendo, pedindo, pedindo. Num único golpe, ele abre a camisa dela, fazendo voar os últimos botões resistentes. Ele mira os botões eriçados agora em forma de bicos de seus seios morenos, à mostra, que se movimentam num frenético sobe e desce de sua respiração. Ela olha dentro dos olhos muito azuis daquele homem, olhos que faíscam, assustadores, avassaladores e aguarda seu arremesso sobre seu corpo. Ela ainda segura os seios para ele, como oferenda para saciar a fome daquele faminto e gigantesco rebento. É, no entanto, surpreendida pela mão dele, escorregando qual serpente, por seus pelos púbicos, subindo ao ventre, umbigo até encontrar os seios em espera. Com a força de sua vontade, ele os aperta, a ponto de ela soltar um  mudo gemido de dor logo sufragado por um grito de prazer, para enfim, senti-los  sugados sofregamente pela boca  enorme do homem, buscando devorar inteira aquela fruta.
Ela se contorce de desespero no sofá, minúscula debaixo da fera que a abateu. Ela ensaia mover seus quadris por entre os joelhos rígidos dele que a retêm, e sua cabeça presa pelos cabelos por uma das mãos masculinas faz daquele instante um ritual de completa resignação. Ela se deixa entregar enquanto aquele mamífero voraz a suga. Não demora para que outro elemento, seu membro quente venha cobrar a sua parte daquele sacrifício. E é ela agora quem assume o ritual, tocando-o, acariciando-o, friccionando-o entre suas coxas, sobre o clitóris, sem lhe permitir a entrada insistentemente requerida. Subitamente, valendo da fragilidade em que ele se encontra atacado pelos toques suaves da fêmea, ela inverte as posições no sofá, colocando-se sobre ele, em seu colo, olho no olho, lábios e lábios, línguas e sucos em disputa, em comunhão...

(Continua...)
...

Um comentário:

  1. Este conto é contado sob uma perspectiva feminina. Embora, esteticamente, se trate de um discurso em primeira pessoa, prefiro defini-lo como uma metalinguagem do desejo, de uma alma em desejo. Os espíritos femininos podem se reconhecer no olhar e sentidos de Ana, já os masculinos terão a chance de conhecer, andar por dentro desse corpo e desejo. De qualquer forma, uma vivência renovadora de transpassar por essa cortina leve que voa e convida.

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