Uma avenida fechada para uma cidade mais aberta.
(Maria Angélica Taciano)
Confesso que sempre fui ávida consumidora da vida cultural da Avenida Paulista, desde suas renomadas livrarias, cafés, cinemas e espaços de arte como MASP e Casa das Rosas, etc, até os recantos líricos mais recônditos, escondidos no meio do "chiclete e Cabochard" do baixo Augusta. Há todo tipo de poesia ali, para as mais diversas vibes e tribos.
Assim, em minhas viagens, no mais das vezes solitárias (típico estado de uma alma saopaulina - mas eu sou Corinthians!), num intervalo da correria da vida e do dia-a-dia, sempre busquei, na região da Paulista, o ar mais assemelhado do que se espera, em termos de cultura, vida urbana e civilização, do comportamento de uma megalópole como São Paulo.
Mas nada, absolutamente nada se equiparou até hoje, nas minhas cruzadas paulistanas, com o que descobri na Avenida Paulista aberta para as gentes, no domingo. É cena de final feliz de filme, numa peculiar harmonia que encaixa todos os desarranjos de uma cidade de pessoas recolhidas, com infinitas diferenças e com um talhe extremamente conservador. As caras surpresas, meio espantadas, sem acreditar no que viam e viviam...
O que se viu na Avenida Paulista de domingo, fechada para carros, foi fraternidade. Toda aquela multidão de solitários, até então restrita às calçadas, só precisou de um pouco de espaço e de se sentir o centro do pulsar da vida de um lugar feito para as engrenagens, cimentos e motores dos veículos - estes tão carrancudos quanto seus ocupantes - para se ver gente, gente junta, uma a uma, cada qual com sua unidade, sua história feita de aqui e ou de terras longínquas, sem medo de ser, ou melhor, sem medo de apenas estar. As pessoas ocupavam, com seus pés feitos de carne, o simbólico asfalto da avenida; elas não mais apenas passavam nos passeios.
E foi nessa contradição tipicamente paulistana, que se estende muito além de seu clima, de suas diferenças sociais e culturais, do jeito de cada um prosseguir, que duas revelações se fizeram e, que talvez, marquem uma intenção definitiva de guinada dessa cidade para, enfim e efetivamente, partir sem volta para um futuro e um desenvolvimento verdadeiros.
Uma delas foi a recepção das pessoas a uma manifestação orquestrada por aquela galera pseudo-verde-amarelo, que não aceita os avanços inevitáveis do chamado do tempo. Pois bem, de repente, respeitando pacificamente a passagem deles com suas faixas de protesto em inglês e " bonecos-vudus" do ex- presidente Lula sendo esmurrados por vovozinhas, as vozes da cidade se levantaram e, num coro espontâneo das pessoas ali em paz, se ouviu o "olê, olê, olé, olá, Lula, Lula". Foi surpreendente, apoteótico e muito significativo.
A outra revelação, mais contundente e irreversível, em meu sentir, é a constatação de que se precisou fechar a rua para o povo se abrir, se conhecer a si mesmo, na alegria do prazer compartilhado das pequenas coisas como pular corda, ouvir música, dançar sem precisar pagar ou pedir licença ou temer não ser aceito.
São Paulo não suporta mais a vida entreparedes, privada. O amor dos paulistanos por São Paulo quer ser mais concreto sem ser feito de concreto.
Na rua fechada se viu um povo mais aberto, que saberá abrir as escolas fechadas, as mentes fechadas, os medos que fecham a vida...
A avenida fechada, assim, se apresenta como uma janela aberta, por onde se pode afastar a escuridão. A avenida fechada veio confrontar grilhões, velhas fantasias fantasmagóricas de que o feio e triste é que devem ser o certo. Os feios começam a ser repudiados. Hosana! E que eles tenham coragem e tempo de entender e se debruçarem na janela para celebrar a cidade em festa, uma cidade sem medo de ser feliz.
São Paulo, 2015
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