quarta-feira, 24 de abril de 2024

Tive dó

 



Eu tive dó 

Da mulher condenada pela lente

Ao banco dos réus 

Por  um juízo de "lives"

Que nada tem a ver com vidas 


Morto, a propósito, o velho 

Outra vez, no velho Banco 

Teve de novo negado 

Como na vida

Seu último pedido de socorro


Tive dó do velho morto 

Exposto ao escárnio 

Dos que, pior que ele, mortos já são 

E que não têm de bancos senão 

Dívida e expropriação 

Mas se preocupam se o Banco

perde aos mortos um seu milhão


E da mulher, mais sábia que eles

Que já não distingue morte e vida

Tive dó


 Tenho dó 

De todos nós à deriva

De todos em busca de algo

 E de alguns tostões de atenção 

Mortos à própria sorte

Vagando feito vivos 


E tão vivos , por outro lado

O Banco e homens de toga

Ninguém duvida

Juízes a condenarem à morte um país 


Mas sem lentes para os julgar 

Nem olhos para ver ou entender

O mútuo que fazem com a vida de todos

Com suas palavras em azeite


O velho

Embalsamado só na vergonha, 

Tanto humilhado na vida

Implora ao banco um último respiro

Quem sabe a salvar a filha

Aquela que sem saber

Não mais podia distinguir a morte e a vida

E muito antes dele jazia.


Tive dó 


quarta-feira, 3 de abril de 2024

Mais um amor desfeito









mais um amor desfeito no labor do tempo

ele que, com seus dedos de moira

faz com o laço e a linha

o inverso casamento

 

o mesmo tempo que costurava

é o que, agora, puxa o fio da meada

e o amor, antes dança e bordado 

no palco e no bastidor

retorna ao  novelo do não


sem a trama de nova história

sequer com retalhos da memória

o tear do sentimento

vai dormir bem no fundo 

da velha caixa de costura

entre tesoura, traça e esquecimento








sexta-feira, 29 de março de 2024

SENTA QUE LÁ VEM FILME: "FUCK! " - AMERICAN FICTION







    




O filme American Fiction, premiado ao Oscar 2024 na categoria Melhor Roteiro Adaptado e indicado a várias outras categorias da premiação, não foi um filme tão aclamado comercialmente, porém, com sua aparente despretensão, pode-se dizer que é um filme bem provocativo e incômodo.

Dirigido por Cord Jefferson e baseado no livro Erasure (apagamento), de Percival Everett, o filme trata do tema do racismo sob a ótica de compreendê lo também entranhado nas manifestações do não racismo, este tido não somente como insuficiente, mas, por vezes, antagônico ao antirracismo, como diferenciou muito bem Angela Davis.

O tema central da história é a inconformação do personagem principal, Monk (Jeffrey Wright), o apelido de Thelonious Ellison, que, como acadêmico e escritor negro e vendo que seus bons livros não embarcam na aceitação das editoras, majoritariamente brancas, revolta-se em perceber que a tal da representatividade e pluralidade proclamadas pela indústria literária somente aceitam a produção negra, naquilo que, para a sociedade, é o limite do universo de existência política, social e cultural negras: a pobreza, a violência, mães solteiras, dialetos, confronto policial, etc. A indùstria quer livros de autores negros que falem de "histórias negras", "livros negros", pontua o agente literário do escritor Thelonious.

Pois bem, Wonk, muito "fuck" da vida ( e, logo ali, explico a expressão em inglês) com tais clichês reducionistas, desafia a hipocrisia do segmento e escreve um livro horroroso, propositadamente de péssima qualidade, e o lança sob o pseudônimo de um inventado autor fugitivo da prisão. Para completar, insiste em dar o nome final ao livro "FUCK!", para espanto inicial dos endinheirados editores brancos, mas aceitação plena posterior, porque, aliás, essa é mesmo a "linguagem dos negros", usualmente usada por bandidos ou por aqueles potencialmente aptos a sê-lo, fatalizam.

O livro "Fuck!" é aceito, lançado, ovacionado por público e crítica e começa a ser preparado para virar filme com pretensões futuras ao Oscar.

Monk fica desolado com o fato de o objetivo de sua ironia fracassar e, mais ainda, se vê premido, pela necessidade familiar, de ter de aceitar o dinheiro enorme que "Fuck!" lhe proporciona.

Embora o filme faça uma crítica direta ao nicho literário, vemos que toda essa expectativa para o acesso possível a uma conscientização branca sobre a questão está em todos os setores. Por exemplo, no começo do filme, temos uma sensação de inversão, quando a aluna branca, numa sala de alunos brancos, confronta o personagem central, professor preto, acadêmico, doutor (aliás, como os demais membros de sua família preta), porque ele quer discutir um livro do seculo XVIII com seus alunos e, para tanto, parte de uma frase extraída do tal livro que usa o termo "negro" de forma racista (nigger). Mesmo ele explicando que se trata de um livro antigo que tem de ser entendido dentro do contexto da época, ela não se conforma com a grafia da frase escrita na lousa. A menina branca sai chorando ofendida da sala e ele é repreendido por colegas brancos na sala dos professores.

Por outro lado, o filme vai discorrendo sobre a vida privada complicada de Monk e de sua família de classe média: a mãe com Alzheimer e as dificuldades materiais e emocionais de se lidar com essa paulatina ausência, a dor pelo suicídio recente do pai, a aproximação com o irmão cirurgião, que recentemente se assume gay e sempre se sentiu rejeitado pela família, as perdas de pessoas amadas pelos fatos naturais da vida e das relações. Enfim, nada do esplêndido drama da família de Monk é "uma história de negros", mesmo sendo apenas uma história de verdade.

Assim, com situações em que você ri e chora ao mesmo tempo, o filme, muito bem conduzido e com diálogos preciosos (com destaque para o debate na biblioteca entre Monk e a autora negra premiada por seu recente "livro de negro"), em suma, fala dos mecanismos capitalistas de perversão de lutas e mercantilização das mesmas, e como, ao usar de uma outra linguagem, tem na força visível e invisível da estrutura dominante os meios de tentar manter as coisas exatamente como sempre foram, com os indivíduos em "posições aceitáveis" na sociedade e o dinheiro/necessidade e o lucro sendo os grandes regentes de absolutamente tudo. É dinheiro para comprar manifestação, indignação, luta, fala, lugar de fala, dor, livro, vitórias, apresentando a ordem estabelecida com outra roupa, mas exatamente a mesma. No frigir dos ovos, o que se tem é contorcionismo para obter o triunfo da continuidade do sistemão velho de guerra.

American Fiction te deixa com essa adaga na garganta, sem sabermos se é uma facada que nos tira a respiração e a vida ou uma traqueostomia que as devolve.

Há esperança?

A esperança, e ela sempre tem de haver, reside, enfim, no "cenário movediço do infinito", para usar de uma definição do poeta Baudelaire, ou seja, na luta contra o racismo ou qualquer outra opressão, uma luta que é necessariamente incansável, sem tréguas e sem fim.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Encontro Acaso


Seu olhar me atravessa calma e obstinadamente

Como se eu fosse uma rua 

ou inteira transparência


Depois seus olhos flutuam ao solo

E do pouso emerge aquele seu risinho

que te leva para não sei onde


Entre o seu olhar e o tal  riso

Ah! Passam por mim mil vidas

Já estou nua diante de você 


E é só um encontro acaso na rua

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

TRABALHADORES, UNI-VOS CONTRA A GUERRA!




 TRABALHADORES, UNI-VOS CONTRA A GUERRA!


A profusão de imagens do horror em Gaza, penso eu, terá um efeito contrário ao que se pretende.


Se a situação fosse contada e contada, para que a capacidade da imaginação desenhasse o horror, na medida do que é horror para cada um, quem sabe se pudesse pensar que a situação se aproximasse mais, e de fato, ao humano de cada qual. 


No quesito de credibilidade, tanto a imagem quanto a contação verbal dos fatos ocupam o mesmo lugar de aceitação da verdade. Hoje, cada um acredita no que quer, diante da mais incontestável evidência.


Nós tivemos 700 mil mortos, no Brasil, pelo descaso na administração da COVID por um governo, de então, igualmente genocida quanto o de Israel. Além de pauta para notícia de alguns veículos de imprensa e indignação para os de sempre, nada de concreto se viu ou vê para punir os responsáveis pela morte de tanta gente. Vamos esquecendo... A estatística crescente e diária do número de mortos foi-se tornando uma rotina e, em vez de aproximar, nos afastou da dor do outro.


Mas como a bomba da COVID podia explodir em qualquer um, a reação requereu efetividade e direção objetiva contra a ação destrutiva do inimigo. Para o anticiência, tascamos-lhe Ciência e a vacina veio contrapor a rapsódia de morte orquestrada por quem da morte vive.


E qual é a vacina contra Netanyahu, para um tal enfrentamento efetivo? É o dinheiro. 


Assim, de novo, o confronto se dá entre a riqueza e a produção de riqueza. Contra o vírus sionista, somente um constrangimento popular sobre os governos dos países, para que tomem medidas efetivas para frear a sanha assassina de Israel, é eficiente. Por ele de novo, por aquele que tem força  e deixa de usá-la é que se dá o caminho para tombar a praga fascista representada, no grau máximo, no genocídio perpetrado em Gaza e imediações. É pela paralisação de toda e qualquer produção de riquezas que a mais letal resistência se fará. 


Braços cruzados da classe trabalhadora, que produz riqueza, paremos o mundo todo pela paz e pela responsabilização de quem a perturba! Sindicatos, movimentos, organizem-se para parar o dinheiro no mundo, por um dia que seja, e veremos Netanyahu e afins se desintegrarem como poeira ou como os prédios que eles derrubam sobre a cabeça de inocentes.


Assim, mais uma vez, a vida conclama: "trabalhadores, uni-vos", inoculando o antidoto no âmago do causador de todas as guerras e amarguras: o capitalismo.


Junto com nossa voz, que estejam os braços também!


#FreePalestine 


Maria Taciano

domingo, 1 de outubro de 2023

Insônia

 

Todos os medos se juntam na noite

em  épica luta entre o breu

e a espera do alvorecer


O corpo, mesmo cansado, não se rende

combalido sob as duras patas do medo


E a noite se apresenta eterna

sob horrendas máscaras  de certezas

as piores certezas do mundo: noturnas


Sem nenhuma salvação ou promessa

 a noite dos medos não tem fim


Mas quando vem 

- e ele sempre vem -

 o primeiro trinar na alvorada 

dilui-se a ilusão dos sonhos ruins, 

que, como todo sonho, é ilusão


Tudo se colore na algazarra 

da chegada do dia

em seu  abraço de conforto

seja  dia bom ou ruim


Então se vão os medos

ou se escondem nas frestas do chão

à espera da noite

agora tão longe


E, no bocejo, um sorriso

entrega-se ao sono matinal

 após a árdua campanha

E o medo foge de medo

das cores do alvorecer 


Não tenha medo do medo, não 

O medo é só valente na escuridão








segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Cronometria do Adeus

 




                E o tempo escorre na direção

               das despedidas


               Como dizer adeus

               se a boca foi tomada pelo beijo?

quinta-feira, 29 de junho de 2023

Fundo dentro


 


Ah! os cientistas

Eles não têm ciência

Pensam que sabem o que acontece dentro

Lá no fundo 


Do calado dos vulcões

Não sabem

Eu é que sei



sábado, 17 de junho de 2023

O Cão e o Tempo

 




o cachorro segue reto pela rua

é a vida que passa diante de meus olhos 

e entre o focinho e a cauda dele que vai

segue um tempo enorme 

bem maior do que o cachorro.


e o tempo ainda nem passou

tão presente

e já é velho de acontecimentos

e age em seu passo soberano

sobre as patas de um cão


antes de si mesmo chega 

de tão rápido que é

mal chegou, já se foi

e nós ainda  chegando 

a esse tempo vindouro


eu ando a olhar o tempo

não de fora mas de dentro 

e minha vista embaralhada 

enjoa-me a perspectiva


Não sei dizer se sou ou fui

desconfio já não ser 

o tempo meu


e lá  no espelho ele está

no retrovisor

o cachorro que passava

já é passado 

passou







quarta-feira, 5 de abril de 2023

Quarto Lunar




Os olhos lânguidos da lua colados aos meus,

Despertos nesta noite de vigília,

Adiam a algazarra dos meus sonhos dormentes.


E no quarto, antes minguante, ora crescente,

Tudo é um rio de luminescente calmaria,

Águas estáticas da lua em que flutuo nua.


Nessa nudez quieta e aflita, lua e nua,

nossos corpos pelas águas igualmente reluzentes

boiam, noite adentro, no céu do quarto lunar


No quarto lunar de seus olhos inundado,

o véu da noite, que de lua nada esconde,

segreda espasmos de fulgores prateados


Mas todo intenso sob a lua é silêncio,

Fases de exaltação e quietude.

Por entre sussurros, o quarto se completa na volúpia.


O cio e o ciclo se consumam.

Carne e luz.

Lua em seu quarto. 

Mulher plena.

Olhos exaustos, fim de vigília.


Amanhã é lua cheia!

Dormimos.





quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

A Você, com Amor*


Faz um tempo que não visito o meu amor.  A peste contemporânea ampliou as distâncias e reinventou formas de amar que ainda estranhamos. Faz tempo que não vivo o meu amor por você. 


Lembro, saíamos de mãos dadas vagando, misturando-nos à multidão das ruas...


Em calçadas bonitas de bairros protegidos ou nos lugares da ausência de Estado e de calçadas, ali nas quebradas, vivíamos nosso amor errante, sem previsão de programas, tempo e temporal. (Quantas vezes nos amamos sob marquises aguardando o cessar da chuva e dividindo espaço com aqueles que fazem do amor um outro negócio, que também faz parte desse nosso amor! Como não?) 


Passeávamos por culturas, uma inusitada comida, uma festa ou uma passeata de ciclistas nus levando flores ao túmulo da outra, que foi atropelada pelo ódio, na via exclusiva de ciclistas. E no lusco fusco de poente com fumaça, íamos nos levando, recebendo a noite entre tiroteio  e cachaça. 


Chegávamos em casa na madrugada e ainda  nos pendurávamos junto à janela esperando sabe-se o quê, com olhos ávidos na vida vista do alto do edifício, de sob o viaduto ou das estrelas que ainda piscavam no ar. E topávamos com essa vida que também já vinha correndo. em sentido oposto à madrugada que termina para a madrugada que começa em trens, ônibus, metrôs, lojas acendendo o dia para mais um outro dia. 


Eu sempre perdi para o sono, pondo nosso amor  em espera. Você não, você nunca dorme, cuidando em vigília para continuar  e continuar nesse seu compasso sem parada e de todos os ritmos.


Hoje vi você festejada. Percebi que já não tem o mesmo talhe de altivez, juventude e irreverência. Finalmente, está mais velha, um tanto decaída pela convivência mais brutal da dor e alegria destes tempos mais hostis que cimento.   


Mas você ainda carrega  todo o seu charme e o meu amor meio cansado. Ah, esses avessos infinitos em que nos desdobramos para dançar  nos seus braços e nos sentirmos pertencidos à sua dureza, realidade e sonho! Qual!


Parabéns para você, pelo seu aniversário e por, apesar de todo o tempo e reviravolta da vida e da morte, não deixar de prosseguir sendo você e eu e todo o mundo que você carrega como dom e como sina.


Parabéns, São Paulo, a grande Sampa de todos os afetos e dos meus afetos.


São Paulo, 25/01/2022 ❤️

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Vibra







Vibram o riso, a dor, 

O peito no choro

Vibra o sopro que estremece

O apagar e acender das fogueiras


Vibram as velas

No altar ou no mar

As chamas da fé e da alegria 

Tudo a seu modo vibra


Vibra a música no ar e nas cordas

Nos cânticos sagrados

Nos batuques dos atabaques

No estalar dos búzios, o destino


A fera deitada em espreita

O trinar do passarinho

O mergulho da tartaruga ao mar

Instintos pulsantes vibram


O vento nas ondas vibrantes

Das folhas que tremem ao ar 

Vibra o sol escaldante no alto do dia 

Toda a natureza vibra


Vibram as tramas da rede

Que embala o sono e as vigílias 

A lua, nas marés e nas ondas 

dos lençóis da volúpia


Vibra o sexo, o amor, a dúvida

O desassossego da espera

Vibra o beijo na chegada

Vibra o beijo na despedida


Tudo vibra

O corpo, a alma e a arte

E o sonho que os guia

Tudo o que é vivo vibra

Tudo o que é vida vibra


Sossegue, então

Apenas prove

Está  tudo bem

Se vibra

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

SENTA QUE LÁ VEM FILME : "O DESTINO DE HAFFMANN" ("Adieus, Monsieur Haffmann"; França, 2020)

 



                               (Imagem: Foto reprodução de Guernica, de Pablo Picasso)


Quando o mundo é tomado pelas trevas do autoritarismo, como o foi no nazismo e outros sistemas autocráticos, a integridade moral e ética que identifica a humanidade do indivíduo tem de ser vivida em segredo, clandestinamente. Nesse ambiente, ela é tão vulnerável quanto preciosa, sendo, por isso, o maior alvo da brutalidade e coação.
A integridade é quando a tempestade de fora não encontra berço na tempestade de dentro.
É sobre a integridade que fala o delicado filme O Destino de Haffmann (Fred Cavayé, 2020, França), que conta a história do desdobramento da relação que se estabelece, de necessidades e abusos, entre um humilde e complexado empregado, sua esposa, o patrão joalheiro judeu e um oficial nazista, diante do terror da ocupação alemã na França de 1941.
Num ambiente eivado de incertezas, medos, perdas materiais e afetivas, num momento sem luz de civilidade, é pelo perfil moral de cada um dos personagens centrais que se fazem e desfazem laços que, em outras circunstâncias, seriam impensáveis.
A partir da identificação do limite do aceitável ético para cada um é que a trama vai descortinando, evolutivamente, a profundidade psicológica dos personagens, revelando mazelas e grandezas justificáveis e injustificáveis, diante de um contexto tão difícil de uma guerra.
Usando a excepcionalidade da guerra e da ocupação de um país subjugado, o filme e sua cuidadosa condução ( cada detalhe é um passo que avança na descoberta dos personagens em seu papel de vida) demonstram como permitimos que a violência se instale em nossa casa e espírito, à medida que vamos nos escondendo sob a justificativa do medo e do cuidado exclusivo aos nossos, ditos amados.
Em suma, a história do filme mostra do que o totalitarismo se alimenta. Como num desdobramento do pensamento de Hannah Arendt, apresenta, todo o filme centrado em cenas do dia a dia ordinário do interior de uma casa e família durante a ocupação nazista na França, como o totalitarismo é sustentado por um querer inconsciente que se torna consciente, e este querer revelado não é o querer de um povo como totalidade coletiva, mas um querer individual das pessoas e que se soma. É o horror que se torna uma oportunidade e se retroalimenta da ignomínia que gera e que por ela é gerado.
Filme muito bom, de tema muito contemporâneo e que joga luz sobre nossas grandezas e miudezas de alma, mostrando que é no valor da integridade ética que se assenta o último refúgio de resistência.
Como vela a alumiar a profunda escuridão, é essa integridade que distingue em nós as guerras de fora das guerras íntimas, como forma de evitar ou combater opressões e manter nossa dignidade e humanidade, pois, como nas palavras lúcidas de admoestação do personagem oficial nazista, "a guerra passa."