Havia perdido as certezas. Eram já poucas as que tinha, mas agora acabava de perdê-las de vez.
Tentou explicar o fato à mulher que, distraída com sua revista, perguntou-lhe a pergunta fatal:
- Quais certezas?
E, subitamente, ele se viu caindo uma queda sem fim nem começo numa espécie de buraco negro de ideias. Descobria, então, se descoberta se pudesse chamar, que suas poucas certezas, ali, sempre a seu lado, tornaram-se absolutamente indistinguíveis, indecifráveis. Não sabia se, sequer, chegaram a existir. A própria inexistência também se lhe apresentava duvidosa: inexistiriam as próprias certezas em sua existência material ou inexistiriam em sua existência ideológica?
Por costume ou por uma espécie de atavismo trazido da convicção das certezas ainda que parcas, iluminou-se nele, em lampejo, um certo alívio ou um quê de contentamento ao supor que fossem talvez suas certezas como uma deidade a quem ninguém define ou prova a existência, mas sabe que, de alguma forma, ela é.
Sim, eram esses os sintomas do insondável existir de suas certezas, por isso tão poucas. Talvez, nem fossem poucas, mas uma única, onipresente, onisciente certeza.
Por algum momento, aquela certeza já ausente, assentada tão somente em um fio de sua lembrança, passou a ter uma forma estelar, universal e transcendental.
O homem olhou-se no espelho com tamanha e irreconhecida firmeza, seus olhos brilhavam com a luz da descoberta, do autoconhecimento e do alto conhecimento. Estava quase em estado de êxtase existencial e tudo a seu redor pareceu menor: a revista, a mulher, a imagem refletida no espelho, o livro fatídico aberto no colo...Era um deus a levitar.
Porém, deleitando-se nesse território divino, algo lhe pareceu estranho. Pois se suas certezas tão indecifráveis o jogavam em um plano de divindade, elas de fato e inexoravelmente o tinham abandonado, uma vez que o suporte do divino é a crença e esta, por mais encravada que seja, é essencialmente feita do barro da - e a palavra lhe saiu quente e caudalosa como lava de vulcão - dúvida.
Num átimo, percebeu que, na verdade, estava a enaltecer mais a memória falecida da ausente certeza do que a tragédia de sua perda e, diante dessa constatação, operou-se, enfim, o completo preenchimento de seu vazio por toda dúvida.
E naquela noite, como nunca havia feito, dormiu um sono solto, largado, embalado na sua entrega de nada ter de saber ao certo. Enfim, apenas não tinha certezas.
Talvez, quem sabe, o dia seguinte amanhecesse.
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