E à simples possibilidade de sua visita, ela se viu radiante de novo do outro lado do espelho. Odiou, fundamente, cada milímetro de seu sorriso incontido, que teimava em raiar em seu rosto como também o brilho que reacendia nos olhos, postando-se completo, indecente, espontâneo.
Sentia-se fraca para sustentar a indiferença dissimulada em que se escondeu, desde o dia da partida dele, para ela tão doída. E, assim, todas as estratégias de revanche, as palavras ferinas ensaiadas, os venenos há muito tempo curtidos naquela rejeição, eram, inadvertidamente, carregados pela força de sua emoção. Nada daquela fúria foi esquecido, mas tornava-se menor nas ondas da inoportuna alegria.
Ele estava para chegar. De novo seus olhos se encontrariam, seus corpos de carne dividiriam o mesmo tempo-lugar, o mesmo ar. Quanto tempo se passou ainda que parecesse que fosse ontem que tivesse ouvido dele que encontrou outra pessoa. Não disse que não a amava mais. De fato, nunca pronunciou o mantra de amor em seus ouvidos. Nunca um simples eu te amo, que viesse de graça, às claras, sem que se fizessem necessárias deduções lógicas intrincadas, ambiguidades a serem definidas...
Freneticamente, ela buscou na bolsa o vidro de perfume. Refreou-se. Não era adequado tornar tão evidente a sua emoção. Não era de sua natureza conter-se ao que sentia, mas não queria mais nada dar a ele, nem sequer o fetiche de um odor carregado de sentido, para ela. Queria surpreendê-lo com o volume da escuridão que ela lhe preparara e lhe ofereceria. Nada além disso, nada para ele, insistia, nada por ele. O hábito, no entanto, a levou a pintar de vermelho a boca, antes de correr para abrir a porta.
Abraçaram-se, cordialmente. Quanto tempo!
Conversaram procurando evitar silêncios, ainda que estes estivessem a postos atrás das palavras. E não foi uma ou duas vezes que os olhos de ambos se fixaram mutuamente dizendo de suas saudades, de tantas coisas que as bocas não ousaram pronunciar. Talvez ela tenha reconhecido, naqueles olhos insistentes que perseguiam os seus, fugitivos, o velho fogo do desejo e da fome. Talvez ou quem sabe delírio seu.
E ele falava. (Contou ansiosamente de sua história amorosa, como se essa tivesse sido guardada para ser declarada a ela, que tenha sido vivida contra ela num modo, às avessas, de viver por ela.). E contou de seu novo amor com todos os ingredientes que nunca havia lhe dado. Mencionou sua entrega, a paz que nunca colheu a seu lado, que nunca sentiu nada parecido antes. E ela ouviu tudo, quieta, colocado daquela forma bem expressa, saindo dele com todas as palavras, pa-la-vras; tudo o que ela sempre quis e nunca teve.
Aquelas palavras, que não cessavam de derramar-se, paulatinamente foram se transformando em aves que voavam desordenadas naquela sala. Por que tanta balbúrdia, meu Deus? Por que ele o fazia? Por que vinha ávido entornar riquezas que nunca, que não poderiam ser dela? Seria a forma de possuí-la, de fato, pela única vez? Ele amava outra, outra, outra ... era isso e só isso que se repetia em eco, rufava em torno dela envolta por palavras-pássaros. Ele era por outra.
Foi difícil e necessário entender que, mais do que tudo, ele nunca a amou, e ambos descobriam isso juntos. Para essa descoberta, enfim estavam juntos, juntos pela primeira vez. Era por isso, então. Por isso!
Ele partiu, ela recolheu as xícaras e os farelos na mesa da sala.
Nenhuma dor se instalou, uma nova dor ou uma extensão de uma dor existente. Houve nada.
Nada mais para tentar entender.
Mesmo assim, eram pesadas, não voavam como as aves. Diante da torneira aberta da pia, deixou que as suas grossas e derradeiras lágrimas escorressem por ele.